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Pose para a fotografia

A cena passou-se na ponte 25 de Abril. Dois repórteres encontravam-se na praça da portagem, a tirar fotografias. Apesar de já se utilizarem máquinas digitais, ainda se recorria maioritariamente à película. Captaram uma série de imagens, incluindo a de uma portageira que ia recebendo as tarifas das mãos dos automobilistas.Depois, os dois meteram-se no automóvel e rumaram em direcção a Lisboa. Pararam precisamente na cabine da tal portageira que tinha sido fotografada. O condutor estendeu-lhe o cartão multibanco para efectuar o pagamento da portagem.Foi então que a funcionária demonstrou que não lhe agradava nada a ideia de ter sido fotografada. Exigiu o rolo fotográfico. Não consentia que eles conservassem imagens com a sua presença. Os repórteres recusaram.Ela decidiu então chamar o supervisor das portagens. Mais: disse que não devolvia o cartão multibanco enquanto não chegasse o superior hierárquico.Nesta fase de conflito, as coisas já só se resolveram chamando a polícia.A portageira queixou-se de ter sido fotografada sem sua autorização.Um dos repórteres apresentou queixa por ela ter ficado com o seu cartão multibanco.Quem é que tinha razão? Todos. Ou ninguém, consoante a perspectiva.É um crime tirar fotografias a uma pessoa sem que ela autorize. A não ser que se trate de uma figura pública ou que esteja em causa exercer o direito de informação jornalística. Mas como em todos os crimes é necessário que exista dolo, ou seja, intenção de praticar aquela conduta. Se eu for às Portas do Sol e me puser a tirar fotografias, é natural que algumas pessoas sejam apanhadas. O mesmo sucederá se estiver na praça de touros de Santarém. Mas o meu objectivo não é praticar aquele crime.Também naquele caso, os repórteres queriam lá saber daquela portageira em concreto. Não a elegeram a mais ou menos bonita de entre as que estavam ao serviço. O que eles pretendiam era ficar com um manancial de fotografias da praça da portagem. Portanto, os jornalistas não praticaram nenhum crime. O máximo que poderia suceder era a portageira dizer que não autorizava que a sua imagem fosse publicada.Terá ela cometido algum crime ao guardar o cartão multibanco ?Não o furtou, por duas razões. Em primeiro lugar, não o subtraiu. Só existe furto se o ladrão retirar o objecto contra a vontade do proprietário. Ora foi o dono do cartão que lho entregou. Depois, ela não tinha a intenção de ficar com o cartão para ela.Mas também não cometeu o crime de abuso de confiança. Essa é a infracção de quem pede emprestado um livro e acaba por vendê-lo a um alfarrabista como se fosse seu. Ora a portageira não pretendia ficar com o cartão para ela.Na pior das hipóteses, os jornalistas pediriam uma indemnização pelo atraso provocado pela retenção do cartão. Havia responsabilidade civil, mas não penal.Este é um daqueles casos em que o Direito Penal não intervém. Não é uma situação suficientemente grave para justificar um processo de natureza criminal.Há ocorrências localizadas em zonas cinzentas e em que se discute se vale a pena legislar sobre a matéria.Entre 1973 e 1982, era um crime andar a telefonar para a casa de outra pessoa, com o propósito de a incomodar. A conduta foi despenalizada, até que em 1995 voltou a constituir crime. Mas já não é condenado aquele que perturbar com telefonemas para o telemóvel, quando o destinatário se encontra fora da sua habitação.Também quem passar a vida a tocar à campainha de outra pessoa não comete nenhum crime.* Juiz(hjfraguas@hotmail.com)

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