Feira de S. Martinho | 10-11-2004 03:04

Cavalos, castanhas e água-pé

Cavalos, castanhas e água-pé

Como uma espécie de local de peregrinação, a feira de São Martinho na Golegã é destino de eleição para os amantes dos cavalos e de todo o ambiente que rodeia as tradições ribatejanas. As castanhas assadas abrem o apetite para outros petiscos e para as provas de água-pé. Porque em cada tasca “há a melhor água-pé da Golegã”.

“O melhor da feira é o convívio entre os amigos que todos os anos se encontram por esta altura”, afirma José Manuel Eusébio, agricultor, que um dia resolveu trocar uma carreira de oficial da Marinha e mudou-se para a Golegã. Do lado oposto, o pior dos dias em que cavalos e pessoas se misturam nas mesmas ruas é o “caos” reinante - “mas não há outra forma de fazer”.Encostado às traves das boxes de uma coudelaria ainda vazia, Fernando Pilha, mira quem passa, enquanto conversa com dois amigos. Vem de Leiria, é bancário reformado, e gosta de cavalos quase por tradição familiar. O pai negociava em cavalos e ele também, “de vez em quando”. Para ele a feira tem de manter-se no Arneiro e isso é o melhor do certame. “Se mudarem a feira de sítio acabam com o São Martinho. Mas já agora podiam tirar daqui as barracas. Em torno da manga, o espaço devia ser para os cavalos e para as pessoas”, opina com um certo ar marialva.O marialvismo é sentido no jeito com que se arrastam as botas de montar, adornadas com as esporas, na inclinação do chapéu de aba larga, no jeito de pôr a boina, ou no olhar com que se perscruta o espaço circundante. Também as cores das vestes são determinadas. Verdes, castanhos e pretos predominam por toda a vila. Senhoras e cavaleiros, mesmo aqueles que nada têm que ver com a feira, a não ser a simples curiosidade de ver e sentir um pouco da alma destas gentes, resistem com dificuldade à compra de um chapéu ou de um pingalim.Reformado e natural da Golegã, Orlando Medina vai para o Arneiro vender pingalins a cinco euros cada. Entretêm-se nas horas vagas a fazer estas verdascas em paus de marmeleiro, aproveitando o encaixe do ramo para esculpir a cabeça de um cavalo.“É tudo inteiro. Primeiro ‘encoze-se’ (escalda-se) o pau para tirar a casta, depois arranja-se este enfeites”. Por feira, Orlando Medina vende perto de duas centenas de pingalins para quem anda a cavalo ou para quem gosta de os ostentar mesmo andando a pé.Às vezes custa chegar ao Arneiro. O trânsito, apesar de melhorar de ano para ano, demora a escoar e os carros têm que ficar bem longe, diz Sofia Marques, engenheira da Agrotejo,“Já andámos quase um quilómetro a pé para chegarmos aqui”, lamentam José Oliveira e Benvinda Júlia, habitantes de Tomar que raramente faltam ao São Martinho da Golegã. Mas o esforço compensa porque “o melhor de tudo são os petiscos” que por ali se comem.E a água-pé, a acompanhar uns cheirosos grelhados, compete com as castanhas quentinhas embrulhadas em cartuchos feitos com as páginas da lista telefónica.“Os cartuchos sempre foram feitos com as páginas das listas, são à medida”, diz Francisco Gaspar, um dos vários assadores de castanhas que vende na Golegã há mais de 18 anos. Vem de Lisboa, da Mouraria, como grande parte dos seus companheiros de negócio, quase todos familiares. Em cada feira vende perto de 800 quilos de castanhas.“Durante as horas de mais calor aproveitamos para fazer cartuchos. Ao entardecer, quando começa a fazer frio e a neblina a cair, vendem-se muito mais castanhas”, conta enquanto com mestria enrola com as pontas dos dedos as folhas amarelas.Uma dúzia de castanhas custa um euro e meio e, pelo visto o negócio acaba sempre por render. No outro extremo do Largo do Arneiro, a família de Zé Preto tem o mesmo ritual. Também vieram de Lisboa, do bairro de Alfama, e intitulam-se os mais antigos vendedores da feira de São Martinho. O ano passado ganharam uma medalha pela “melhor castanha assada”.Mas a feira tem outras gentes. Casais vestidos a rigor, com jaquetas bem talhadas, bordadas e enfeitadas passeiam-se pelo Largo do Arneiro, como numa passarela. Rui Marques Pinto e Fátima Marques Pinto, de Vilamoura, são um exemplo desse tipo de visitantes. Mostram todos os pormenores e respeitam a forma como devem comportar-se. “Trazemos sempre um amigo connosco, porque quando andamos vestidos assim não podemos trazer nada nas mãos”, explicam.O sol começa a declinar, o fumo dos assadores mistura-se com as primeiras neblinas e o São Martinho continua até altas horas. O melhor da feira é a própria feira, a que poucos ficam indiferentes.Margarida Trincão

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