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Um cemitério “democrático”

Um cemitério “democrático”

População mais idosa de Abrantes com dificuldade em aceitar

No novo cemitério de Abrantes não vai haver jazigos, cruzes, pedras tumulares ou outros ornamentos. As campas são rasas em terreno relvado e as floreiras são iguais. Na altura dos funerais as urnas não são tapadas com terra e ninguém pode comprar talhões. Se na morte somos todos iguais, no cemitério de Santa Catarina esse conceito é seguido à risca. É um conceito moderno que ainda faz muita confusão à população mais idosa.

“Mais vale ser enterrado no quintal”, diz João Serôdio quando se lhe pergunta o que acha sobre o cemitério de Abrantes. O cemitério de Santa Catarina, finalizado em Fevereiro deste ano, tem uma linha arquitectónica arrojada e rompe com o conceito do passado, em termos de funcionamento. A população mais idosa não se revê na nova estrutura.As células individuais são pré-feitas, construídas em betão. O caixão é colocado dentro do rectângulo, que tem um sistema de arejamento e drenagem de águas, e tapado com uma tampa que leva uns centímetros de relva por cima. No acto fúnebre ninguém pode deitar terra para dentro da cova.O primeiro impacto surge logo que se avista a nova estrutura, localizado na Mata de São Lourenço (por detrás do Regimento de Infantaria) à entrada da cidade. Em vez do tradicional muro branco aparece um muro revestido a mármore castanho escuro, cortado aqui e acolá por cruzes estilizadas.Para lá do portão rectangular, estende-se um enorme espaço, dividido por inúmeros talhões. O primeiro a ser utilizado já tem relva e o sistema de arejamento colocado.Logo à entrada, do lado direito, um edifício alberga uma sala de apoio aos funcionários e uma sala polivalente, com um balcão de madeira. Quando o cemitério entrar em funcionamento é ali que as floristas poderão vender as suas flores. O edifício conta ainda com casas de banho, com entrada directa da rua.Um pouco mais à frente está o espaço destinado à construção de uma pequena capela e prevê-se também a edificação de um crematório que, de acordo com a câmara, servirá não só o Médio Tejo mas toda a região.No novo cemitério não haverá jazigos mas está já construída o primeiro módulo de ossários onde, quem quiser, poderá depositar os restos mortais dos entes queridos.No início de Fevereiro o cemitério de Santa Catarina levou a benção do Cónego José da Graça, ficando habilitado a funcionar desde essa altura. Mas, como João Serôdio, há quem não concorde com o novo conceito. Que ache que é uma “modernice” não condizente com a tradição católica.Deolinda Soares entra no velho cemitério da cidade, junto do hospital, com um ramo de flores de braçado, para colocar na campa do marido. Os filhos “estão proibidos” de a levar para o cemitério de Santa Catarina, quando Deus a chamar.“Eles já foram avisados que eu quero é ficar junto ao meu marido, neste cemitério”, diz a idosa, adiantando que quando puder, vai comprar a campa. “Se os meus filhos quiserem ser enterrados no outro é lá com eles. Eu não concordo com aquilo”.O que mais aflige Deolinda é o facto de as campas serem ao nível do chão e cobertas com relva. Diz que nunca se viu tal coisa e que vai ser tudo igual. “Parece que temos de ter jarras iguais e que não deixam colocar mais nada”.A idosa tem razão. O cemitério de Santa Catarina tem regras de funcionamento e utilização. As lápides vão ter um formato pré-definido, de dimensões idênticas, mudando apenas o texto identificativo de cada uma.E não será permitida a colocação de qualquer tipo de revestimento nas sepulturas, nem quaisquer outros elementos como bordaduras, vasos para plantas, flores de plástico ou outras formas que desvirtuem a estética pretendida para o local.Uma “americanização” para a qual o Cónego José da Graça ainda não tem uma ideia segura. Apesar de afirmar que pessoalmente a estética e o funcionamento do cemitério de Santa Catarina não o afecta, o cónego acredita que alguns habitantes de Abrantes torcerão o nariz ao novo espaço, dado este “não estar em harmonia com a sensibilidade e a cultura do povo”.Mas o padre prefere não fazer grandes comentários sobre o local, até porque a questão ainda não foi abordada no Conselho Pastoral.Há todavia quem considere o novo cemitério como uma obra prima. Maria Augusta Canha foi espreitar pela primeira vez o novo espaço e ficou agradavelmente surpreendida. “É espaçoso e bonito”, refere a habitante, acompanhada pelo marido.Gostando-se ou não, o cemitério de Santa Catarina, o primeiro do género a ser construído no Ribatejo, rompe com as amarras do passado e deixa a agradável sensação de se estar num amplo jardim colorido e não num local onde os mortos são enterrados. Margarida Cabeleira
Um cemitério “democrático”

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