uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Sócrates, homem de Estado?

José Miguel Noras

Este meu apreço vem do tempo — já passaram 20 anos — em que Sócrates assumiu, no Parlamento, uma posição enérgica e exemplar na luta pela despoluição do Alviela. Apesar de fornecer água a Lisboa, este rio tem sido escravizado em nome de toda a sorte de conveniências privadas e de irresponsabilidades públicas

Para mim, Almeida Santos, Fernando Amaral, Pinto Balsemão, Manuel Alegre, Mário Soares, Ramalho Eanes, Sá Carneiro, Vaz Portugal e Veríssimo Serrão foram (e são) homens de Estado.Na imensa, quase inesgotável, multiplicidade de ideias e de atributos que caracterizam estas “figuras nacionais”, há um predicado comum: o sentido de Estado, ou seja, a sua permanente disponibilidade para colocar os direitos do Estado, acima dos seus próprios interesses e das exigências clientelares. Por mais que se queira, não é a relevância do cargo, nem são as suas diuturnidades partidárias que conferem, a quem quer que seja, o estatuto de “homem de Estado”!Há uma pequenina (mas verídica) história, ocorrida nos anos 80, que, a meu ver, exemplifica — sem cansar a mente — o que é o sentido de Estado. Conta-se, e é verdade, que um governante social-democrata solicitou uma reunião de urgência ao Dr. Fernando Amaral, então presidente da Assembleia da República. O motivo da urgência consistia no “edificante propósito” de substituir um quadro superior do Parlamento, desprovido de filiação no PSD.O Dr. Fernando Amaral (PSD) ficou perplexo. Como é que um governante poderia preocupar-se em agendar um almoço de trabalho, por causa da incomodidade que uma secretária parlamentar, não filiada, provocava no seu partido? Apesar de este “gravíssimo problema nacional” ter sido colocado, na altura, pelo próprio Chefe do Governo, a referida funcionária permaneceu no cargo. O Dr. Fernando Amaral não cedeu a pressões partidárias. Como a secretária em causa era competente e honesta, tinha, no entender do líder do Parlamento, as credenciais necessárias para o lugar que ocupava. Não carecia de qualquer vínculo político-partidário. Aliás, o “25 de Abril” não nos trouxe a afirmação da homogeneidade política. Foi, antes, um convite ao “múltiplo”, à diversidade de perspectivas e de ideais políticos. É pelo confronto e pela convivência dos pontos de vista mais díspares que melhor se cumpre o imperativo de acautelar os sonhos e os desafios de Abril. Eu, por exemplo, sou militante do Partido Socialista há perto de 30 anos. O facto, em si, vale tanto como a filiação, mais recente, do meu vizinho, no PSD, e é igual a uma inscrição no PCP, no PP ou no BE. Nem mais, nem menos! No âmbito do PS, não optei, há um ano atrás, pela candidatura do Engenheiro José Sócrates ao cargo de Secretário-Geral deste partido. Essa opção, que hoje, coerentemente, voltaria a repetir, não me impede de considerar José Sócrates um homem de Estado, na verdadeira acepção da palavra, juntando o seu nome à lista das figuras de referência nacional que acima assinalei. Nunca tive o privilégio da amizade, nem do convívio diário com o Engenheiro José Sócrates. Basta-me a estima e o respeito mútuos. Acresce que a esses sentimentos somei, há muito, a minha admiração pela obra política do novo primeiro-ministro. Este meu apreço vem do tempo — já passaram 20 anos — em que Sócrates assumiu, no Parlamento, uma posição enérgica e exemplar na luta pela despoluição do Alviela. Apesar de fornecer água a Lisboa, este rio tem sido escravizado em nome de toda a sorte de conveniências privadas e de irresponsabilidades públicas. José Sócrates visitou diversas vezes o rio Alviela. Caminhou do Parlamento até ao “país profundo” para levar o país até à Assembleia da República. Soube chegar aos problemas, como o da poluição do Alviela que, inclusivamente, esteve na origem do primeiro movimento ecológico em Portugal. A poucos terá surpreendido a chegada de Sócrates ao Governo, em 1995, deixando obra e nome, na área do ambiente. O actual primeiro-ministro tem, em minha opinião, um espírito de autarca. Olhou pelos municípios. Defendeu o ordenamento e criou o programa “Polis”. Confesso que fiquei irado quando o ex-ministro Sócrates “concedeu” o “Polis” a Tomar, em “detrimento” de Santarém, a cujos destinos eu, na altura, presidia. Contudo, os dados estatísticos de 2001 atestaram que os indicadores de Tomar estavam francamente abaixo dos níveis de desenvolvimento de Santarém. Assim, por mais que me custe aceitar, Sócrates estava certo. Fez justiça, enquanto homem de Estado, a quem cumpre colocar os interesses gerais do país acima das “capelinhas”, dos quintais e das quintinhas. Vêm todas estas frases a propósito da estatura moral e política do Engenheiro José Sócrates. Com efeito, trata-se de um homem de um só rosto e de uma só palavra, de uma só palavra que os “direitos da Nação” acabam de obrigar a adormecer para acordar — assim creio — ainda mais forte. Como nenhum político é feito de papelão, nem de cartolina, seguramente que doeu bastante a Sócrates “ter quebrado” a palavra, no que toca a impostos. Como é óbvio poderia ter ficado na sua posição individual. É o primeiro-ministro. Aparentemente, teria esse direito. Contudo, preferiu optar, uma vez mais, pelos imperativos da Nação, cujas contas urge equilibrar, em desfavor dos seus compromissos. Nada doerá mais do que a palavra que se desfaz, ainda que temporariamente, quando um governante é um homem de honra e tem sentido de Estado, como é o caso do Engenheiro José Sócrates. Para vincar melhor esta minha opinião, convém referir que, apesar de várias vezes ter sido convidado, nunca ocupei, nem pretendo vir a ocupar, cargos de nomeação política. Para concluir, do Engenheiro José Sócrates, só preciso de um favor: que continue a governar Portugal, dando o melhor de si, como é seu apanágio, enquanto homem de Estado, sempre atento — sempre atento, porque há personalidades que o rodeiam, no Governo, sem outro sentido que não seja o de atrapalhar. Um exemplo: a prepotência e a arrogância exibidas pelo ministro que “tutela” a PT, impondo a sua vontade numa assembleia de accionistas onde, inclusivamente, existem capitais estrangeiros. Outro exemplo: a criatura política que se lembrou de confundir a limitação dos mandatos autárquicos com uma prioridade de Portugal, para já não falar da obsessão pelas férias judiciais, nem das tontarias que envolveram a questão do referendo sobre o aborto. Em suma: tamanhos despautérios apenas servem para desatar as fúrias da sensatez e as glórias da palermice, realçando, por contraste, os méritos dos homens de Estado!Póvoa da Isenta (Moinho de Vento), 1 de Junho — Dia Mundial da Criança e da fundação da TAP (1953).

Mais Notícias

    A carregar...