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Carta a José Miguel Noras

Escrevo-lhe porque a intervenção pública tem como primeira obrigação ética o sentido da solidariedade, independentemente das diferenças que eventualmente nos possam separar. E obriga-nos sobretudo à boa educação

Senhor Presidente da Assembleia MunicipalLi o texto que publicou em defesa da sua honra há três semanas atrás. O primeiro impulso foi escrever-lhe mas resisti. A vida ensinou-me o que de mais grandioso e de mais miserável existe na natureza humana e não escrevi por pressentir que as minhas palavras poderiam ser interpretadas, por quem da vileza faz fortuna, como um piscar de olho sedutor perante a minha candidatura a Santarém.Passou o tempo e a ideia, teimosa, não desistia de me importunar os passos de cada dia, e pronto!, mesmo sabendo que a vilania dará sempre um sentido vil ao que agora escrevo, julgo que o senhor presidente tem o direito a ler as palavras que há três semanas me fervilham na alma.Quero dizer-lhe o seguinte: Ao ler as declarações que o seu sucessor, e seu camarada de partido, produziu acerca da sua gestão, acusando-o sem rebuço nem delicadeza de ter deixado a câmara de Santarém em falência, admiti o seu silêncio como um acto de solidariedade partidário já que não acreditava que quem fosse sujeito a tão violenta acusação pudesse calar-se por outra razão. E o seu silêncio obrigou-me a seguir com atenção a sua intervenção pública. Esperou pela última apresentação de contas levado a efeito pela autarquia e respondeu. E a dignidade da sua resposta, sem se colocar fora do partido em que milita mas invocando a defesa do seu bom nome, revela a superioridade do seu carácter mas também o reconhecimento de uma outra evidência que, infelizmente para Santarém, aqui se manifesta de forma exuberante: no seu partido, assim como noutros do espectro partidário, muitas vezes, mais do que a ideologia, o que emerge de mais nobre e de mais perverso tem a ver com o carácter dos homens, ou dito de outro modo, com a existência ou não de homens de carácter, com um forte sentido ético da política e da vida em luta com grupos que de todos os meios se servem para alcançarem fins que apenas têm a ver com o seu umbigo e a mediania dos seus horizontes pessoais.Gostava que soubesse, assim como todos os socialistas que votando em mim, por desejo ansioso de acabar com a autêntica desorientação em que entrou esta edilidade, ou não votando em mim por ainda acreditarem que mais vale quem se diz de um grupo, de quem se diz de grupo nenhum, que não usarei o mesmo tipo de atitude para com o meu antecessor que teve para consigo o seu sucessor. Embora tivesse mais razões para fazê-lo pois a duplicação da dívida, a multiplicação de credores de curto prazo, a profunda injustiça que resulta do gasto infindo com a propaganda, ignorando as reais necessidades da população a isso poderiam conduzir.Escrevo-lhe porque a intervenção pública tem como primeira obrigação ética o sentido da solidariedade, independentemente das diferenças que eventualmente nos possam separar. E obriga-nos sobretudo à boa educação. O carácter demopédico da intervenção política é decisivo para fazer arrancar este concelho do completo transtorno em que esta gestão o deixou. Exaltando a crítica, diminuindo a intriga, procurando unir na diversidade, recusando a arrogância e a prepotência como forma de relacionamento entre correlegionários ou com adversários. A elegância e a boa educação apenas enobrecem o debate democrático. Sabendo-se hoje as contas públicas da câmara, é claro que a declaração da qual se defende, não tinha como objectivo reduzir despesas e recentrar investimentos. Foi apenas uma tentativa de assassinato político a que V.Exª soube resistir e responder com dignidade na hora própria. Saúdo-o pela coragem e pela paciência. E sendo certo que neste momento, em que não sou apoiado pelo seu partido, e não querendo assumir a deselegância e a gratuidade de lhe pedir o seu apoio, devo dizer-lhe que tenho pena de não o ter encontrado como adversário. Porque a política é o debate da diferença e não o insulto. E tenho a certeza que seria um exaltante debate pois os homens querem-se ao serviço da alteridade e da causa pública. Talvez se V.Exª fosse candidato nem fossemos adversários. E digo talvez porque o desafio que a grave situação criada por esta edilidade provocou no concelho requer a mobilização de todos os homens bons de todas as áreas políticas. Não é por acaso que tenho estimulado gente de reconhecido valor para não se demitirem do debate público seja qual for a sua opção político-partidária. Até me atrevo a dizer que, face ao descalabro financeiro, social, e sobretudo de credibilidade, a que se chegou as diferenças entre todos nós, estão mais nas formas do que nos conteúdos. É por tudo isto que neste momento em que decidiu assumir a defesa da sua honra que aqui estou a enviar-lhe um abraço solidário e a todos os socialistas que, como V.Exª, olham hoje as finanças da autarquia à luz dos insultos que lhe dirigiram há quatro anos e se sentem defraudados com o resultado de tão gratuita afirmação. E dizer-lhe que a sua resistência é um exemplo. Santarém precisa da lucidez de homens como o senhor e de muitos outros que, ou por comodismo ou por cansaço, baixaram os braços perante a inépcia e a ausência de pensamento estratégico. Precisamos de nos mobilizar todos para arrancar Santarém deste estado ruinoso, seja em que frente de combate for, pois como diz um velho ‘slogan’ é que, embora sejamos diferentes, na verdade somos todos iguais.Creia-me com amizade e consideração

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