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Há dois anos sem trabalho

Não sou saudosista em matéria de edifícios que alojam tribunais. Não penso que se deva regressar aos períodos clássico e moderno da Arquitectura Judiciária, como lhe chamam os historiadores.É uma fase da nossa história. Terá decorrido entre 1928 e 1973.Iniciou-se em Coimbra, com a aquisição do antigo colégio universitário de São Tomás de Aquino.Serviu de instalação do Tribunal da Relação e do tribunal de comarca.Esta etapa encerrou com a inauguração do tribunal de Velas, nos Açores.Essas casas da justiça dificilmente satisfazem as necessidades actuais.Pensemos nos exemplos mais próximos: Santarém (1954), Tomar (1959), Vila Franca de Xira (1964), Golegã (1967) e Cartaxo (1970). Podemos ainda acrescentar o tribunal de Abrantes (1978). Obedece à mesma lógica, embora tenha sido inaugurado numa época posterior.São edifícios pensados para um número reduzido de magistrados e funcionários.A concepção não tem em consideração funcionalidades indispensáveis, como o ar condicionado.Todas as instalações que referi constituem marcos históricos. Todavia, está chegada a altura de se erguerem novos edifícios.Os tribunais do período pós-moderno, depois de ultrapassada a fase da arquitectura oficial, foram concebidos de acordo com as necessidades e os códigos estéticos locais.Havia dois edifícios precursores: Rio Maior (1961) e Redondo (1972). Mas eram verdadeiras excepções.Embora não seja saudosista – como disse de início – reconheço uma realidade.Havia um particular cuidado na colocação de obras de arte.Se pensarmos novamente nos seis tribunais mencionadas, chegamos a uma conclusão. São menos funcionais e mais desconfortáveis. Mas são lindos.De resto, havia uma especial atenção em dois aspectos: fiscalização da obra e qualidade dos acabamentos.A nível nacional, alguns dos tribunais edificados posteriormente apresentaram defeitos de construção notórios. Noutros, era só uma questão de não aproveitar boas instalações.Durante bastante tempo, o tribunal de Arganil foi conhecido como terminal de autocarros.Tudo por uma triste razão.A sala de audiências estava dotada de assustadoras cadeiras vermelhas de plástico.Os tribunais mais recentes estão despojados de obras de arte.Uma das razões tem carácter objectivo.Abandonou-se a ideia de sacralidade e de imponência dos edifícios. O objectivo era transmitir que, fora do tribunal, poderia reinar a criminalidade. Mas ali dentro tudo era austero e rigoroso. Daí a existência de grandes estátuas, vitrais, mosaicos, frescos e alguns casos de tapeçaria.Creio, no entanto, que a principal razão está numa certa crença de que, nos tribunais, a arte constitui aspecto secundário.Noutros tempos, eram vários os artistas que iam acompanhando a renovação do parque judiciário. Ofereciam os seus serviços e invocavam as mais variadas razões para serem escolhidos.Antunes Varela, Ministro da Justiça (1954-1967), tinha sempre a secretária inundada de correspondência nesse sentido.Os escultores eram os que mais lhe pediam a adjudicação de um trabalho. Em 1964, Valadas Coriel escrevia: “vão para dois anos que não tenho uma encomenda oficial, debatendo-me com falta de trabalho”. Este não lhe viria a faltar, pouco depois, aquando da construção do Palácio de Justiça de Lisboa.Um ano depois, era a escultora Stella de Albuquerque, com queixa idêntica: “venho mui respeitosamente lembrar a V. Exª que tendo, já há mais de dois anos, feito um pedido para me ser atribuído trabalho de escultura para os vários palácios de justiça, ainda não me foi entregue qualquer trabalho”.Victor Perdigão recorreu a um argumento extremo: reverenciar Salazar.“Tendo-me sido requerido pelo Gabinete, sob a égide do Seu Douto Ministério, o meu curriculum vitae de escultor sempre ansioso de colaborar, veementemente, com Próceres da Obra Ingente e incomparável de Sua Excelência o Muito Inclito e Egrégio Senhor Presidente do Conselho de Portugal, apraz-me cumprir gostosamente, e sempre, quanto for Ordenação do seu admirável Ministério”.* Juiz(hjfraguas@hotmail.com)

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