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Quando ir a Lisboa demorava um mês

José António Alves Oliveira, barqueiro de outros tempos
São histórias de há 60 anos que José António “Alafacinha” revive quando recorda o tempo em que os varinos, com as suas velas enfunadas, desciam o Tejo carregados de cortiça. O barqueiro com a provecta idade de 88 anos, nunca gostou muito de andar nos barcos – “era um trabalho muito duro” - e logo que pôde mudou de vida, mas fala das “aventuras” fluviais e dos varinos, nome dos barcos manejados à vara, com entusiasmo.“O meu primeiro ofício foi aprender a vulcanizador, mas o meu pai tinha um barco e aos 12 anos levou-me para ao pé dele. Eu não tinha querer, fazia o que me mandavam”. Andou Tejo acima, Tejo abaixo, até aos 25 anos, altura em que o transporte fluvial começou a sofrer a concorrência das camionetas e do comboio.“Era uma vida muito dura, às vezes demorávamos um mês a ir e vir a Lisboa. Para baixo a viagem durava três dias, mas para cima era um sarilho. Tínhamos de aproveitar as marés, que se fazem sentir até Valada, e o vento”, recorda. Para baixo o barco levava 600 fardos de cortiça, para cima carregava adubos, sabão, vinho no Cartaxo, o que podiam para aproveitar a viagem. “Às vezes o dono do barco ficava empenhado, o ganho não dava para o gasto”. A tripulação de cada varino era de quatro homens, o arrais (comandante e dono do barco), primeiro e segundo camaradas e o moço - “o meu pai era o arrais e eu, quando comecei, o moço”. Do valor cobrado pelo transporte, 16 por cento era para o primeiro camarada, 15% para o segundo e 10% para o moço e as refeições corriam por conta do dono do barco. “Depois do tudo tirado, às vezes o dono ficava sem nada e até empenhado”.José António que não herdou o apelido da família, Alfacinha, porque o padrinho não quis, recorda o cais do Rossio cheio de barcos – “eram uns 15, 20 barcos, vindo de todo o lado, a descer o Tejo a caminho de Lisboa” - e as carroças puxadas a mulas com os fardos de cortiça. “Um barco demorava uns três dias a carregar, as carroças traziam oito fardos e o barco levava 600... Basta fazer as contas”.Em casa de José António eram cinco filhos, duas raparigas e três rapazes e a todos eles calhou a vida de barqueiro. Os irmãos continuaram ligados aos barcos, um nos cacilheiros, outro chegou a fazer parte da tripulação dos petroleiros, mas José António acabou a faina aos 25 anos, quando o Tejo deixou de ser a principal via de comunicação para Lisboa. “Fui trabalhar para a Fundição do Rossio e fiquei lá até aos 65 anos, a idade da reforma. Bom, mas antes fui ajudante de camionista... De camionetas que trabalhavam a gás pobre, produzido pelo carvão de sobro. Não tinham força nenhuma só conseguiam andar em terreno plano, não conseguiam subir”.Na sua casa no Rossio, José António tem sobre um armário uma miniatura de um varino, tal qual era. “Eram exactamente assim, o que estão a fazer lá na rotunda não é a vela do varino, é outra coisa”, opina o ancião de memória bem fresca.

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