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Oportunidade

Fala-se agora do princípio da oportunidade.A matéria respeita a crimes.Nuns países, vigora o princípio da oportunidade. Noutros, o da legalidade.Este último é o que se aplica em Portugal.Ao que parece, há agora uma proposta para inverter a situação.De acordo com a legalidade, sempre que houver suspeita de prática de um crime, o arguido é levado a julgamento.Não importa se a infracção é muito ou pouco grave, se o caso reveste ou não circunstâncias especiais, se é algo que não tem particular interesse.Realiza-se sempre a audiência. O réu é condenado ou absolvido.Segundo o princípio da oportunidade, vai-se vendo. As coisas vão acontecendo e o Ministério Público deduz ou não acusação, segundo as orientações recebidas.Está-se mesmo a ver qual é a matéria mais sensível neste aspecto.É o aborto, evidentemente.Se passar a vigorar o princípio da oportunidade, a questão fica mais ou menos esclarecida. Quase que se consegue agradar a gregos e a troianos.A interrupção voluntária da gravidez continua a ser crime.Mas podem ser dadas instruções ao Ministério Público para não avançar com esses casos. Não chegam sequer às mãos do juiz.Bom, mas se este vier a ser o sistema adoptado, a coisa pode ir alastrando para outros domínios.Há tribunais entupidos com processos que podem ser considerados de somenos importância, para alguns.Por outro lado, importa combater determinado tipo de criminalidade.Alivia-se num lado para concentrar esforços noutro sentido.Nesse caso, podem surgir ordens do género:- Arquivem-se os processos de condução sem carta. Também ficam sem efeito os casos de desobediência a ordens das câmaras para demolir construções. As pessoas também não fizeram mal a ninguém. O Ministério Público vai empenhar-se no combate à corrupção, à fraude fiscal e ao tráfico de droga.Começam-se a tomar opções que podem ser mais discutíveis.Sabe-se que não há grande simpatia do Governo pelos casos de cheques sem cobertura. E se for deliberado que esses ficam todos na gaveta? Já se começam a atingir interesses de particulares: os credores que se vêm gregos para receber o que lhes é devido.Quando se chegar a casos concretos, nesse caso, então ainda mais controvérsia se gera.Imagine-se que se toma uma decisão. São para arquivar todos os processos de tráfico de influências e de branqueamento de capitais. Há pouquíssimos. A finalidade só poderia ser a de pôr termo a uns casos mais delicados.Também não se vai processar nenhum eleitor que tenha cometido um ilícito eleitoral ao sair da secção de voto.Cabe perguntar se a sociedade portuguesa está preparada para um regime tão flexível.É verdade que este sistema funciona noutros países. O paradigma é constituído pelos Estados Unidos da América.O Procurador vira-se para o arguido e propõe-lhe:- Eu não requeiro o seu julgamento por homicídio. Você confessa-se culpado de agressão e, no máximo, o juiz aplica-lhe uma pena de cinco anos de prisão. Aceita?Curiosamente, é este princípio da oportunidade que permite aos holandeses ter coffee shops onde se vende livremente droga.Contrariamente ao que por vezes se pensa, na Holanda, não é legal haver cafés onde se transaccionam estupefacientes escolhidos através da ementa. Tal constitui crime.No entanto, como as autoridades deliberaram que deixariam de processar quem o fizesse, multiplicaram-se esses coffee shops. Ninguém é perseguido.No nosso país, mesmo actualmente, há um ou outro afloramento deste sistema.Em casos menos graves, o processo pode ser arquivado se o Ministério Público conseguir obter a concordância do juiz e do próprio arguido. Pode impor a este determinadas condições. Geralmente, traduzem-se em fazer um donativo a uma instituição de solidariedade social.

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