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Uma elegância discreta de aristocrata

Há uma voz feminina que nos interroga através do intercomunicador. Depois a porta abre-se e entramos num jardim onde reina uma tranquilidade de convento. Um “espaço uterino” dirá mais tarde o entrevistado. Há um repuxo, sebes, canteiros. Pedro Canavarro surge por entre a neblina matinal, vindo do lado oposto, por um caminho que circunda o espaço. Passamos por um torso masculino esculpido em mármore e por outra pedra branca onde está gravado o que presumimos ser o brazão da família.“Quando a luz cai sobre os objectos revela-os”. A frase irá ser dita uma hora mais tarde mas é antecipadamente anunciada pela escolha do lugar onde irá enfrentar os jornalistas. Na semi-obscuridade da sala onde recebe O MIRANTE a única luz que vem do exterior incide sobre si. Ilumina inicialmente o lado direito do rosto, do corpo. Depois, à medida que o entrevistado se revela através das respostas, a luz desloca-se como na saída de um eclipse até o iluminar por completo. A ele. Apenas a ele. Como um projector de teatro apontado ao protagonista no momento chave da peça. Pedro Canavarro escolhe uma cadeira larga de espaldar alto e trabalhado com assento de palhinha coberto por uma almofada. Os jornalistas são colocados num plano inferior, nos dois sofás junto à lareira. Não parece ter havido premeditação. Foi assim porque era inevitável que assim fosse. Em frente ao entrevistado, por cima da lareira, uma lâmpada sob um abajur dourado ilumina um retrato do dono da casa vinte e oito anos mais novo. “Foi pintado pela Mimi Fogt para assinalar os meus quarenta anos”, explica. “Ela pintou-o ao som de Mahler”, precisa. “Paguei-lhe o trabalho com garrafas de vinho”, conclui com um sorriso. Há três retratos de Pedro Canavarro na casa. Dois óleos e uma aguarela pintados por três diferentes artistas. Apesar de cada um ter uma visão muito própria do retratado a nenhum escapou o lado aristocrático do modelo. Não é aristocrata quem quer. A aristocracia não se aprende. Também não é genética porque há filhos de famílias nobres que não possuem nobreza nem classe. A sala onde estamos está atulhada de livros, revistas, documentos. Estão em cima das mesas, nos tampos das cadeiras, encostados aos rodapés das paredes. Das estantes. Não há um centímetro quadrado livre. Fotografias emolduradas são dezenas. Estão por todo o lado. Há um santuário delas em frente a uma escrivanhinha embutida numa estante. Fotos de família. Há algumas fotos a preto e branco. Numa delas Pedro Canavarro conversa com Ramalho Eanes no que parece ser um gabinete do palácio de Belém. O Dalai-Lama espreita numa esquina de uma estante. E há instantâneos que assinalam encontros com figuras históricas. O entrevistado com Arafat, por exemplo.Pedro Canavarro passa quase toda a entrevista de perna cruzada. A direita sobre a esquerda. A esquerda sobre a direita. Levanta-se uma única vez para ir buscar uma fotografia em que surge num templo em Nagasaki, no Japão, onde foi recebido como só são recebidos representantes da família imperial. “As vestais lavaram as pedras do caminho por onde eu haveria de passar”, explica. Sorri muitas vezes um sorriso franco e afável. Pulover amarelo com protecções creme nos cotovelos. Camisa aberta. Calças e meias verdes. Sapatos de pala pretos. O pé que calha estar suspenso abana numa espécie de tremelique enquanto fala. No final, a caminho da saída, a pergunta clássica de quem não descura a imagem, feita num tom que aparenta desprendimento: “Como ficaram as fotografias?”

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