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Enganar a dor no palco

Mulheres carenciadas desfilam no coreto de Alhandra

Algumas das mulheres carenciadas que frequentaram o curso de valorização pessoal desfilaram em Alhandra. Entre as “manequins” estava uma mãe que perdeu o filho há quatro meses.

O vestido de Fátima Tavares é em linho branco. Podia ser um vestido qualquer não tivesse sido desenhado com o coração. A jovem mãe de 30 anos, desempregada, residente em S. João dos Montes, dedicou-os aos quatro filhos. Três marcaram o tecido com cores alegres. Micael, que partiu em Novembro, é a estrela brilhante pintada mesmo junto ao peito.No sábado à tarde, perante o olhar da multidão que se concentrou no coreto de Alhandra, para assistir ao desfile que encerrou o curso de valorização pessoal “Acreditar fazendo o mundo à nossa medida”, dinamizado em três freguesias de Vila Franca de Xira, a mãe ultrapassou a dor de um filho perdido há poucos meses.As colegas de curso, as formadoras que se tornaram amigas e até a motorista de serviço, todas voluntárias, ajudaram-na a passar o pior momento da sua vida.Fátima Tavares encarou a formação como uma forma de fugir à rotina casa-hospital que estava a acabar com a sua sanidade mental. Precisava sentir-se útil. Depois de Micael nasceram mais dois filhos. Para tentar salvar o irmão. Mas não eram compatíveis. O dador de medula, que poderia salvar a criança, chegou demasiado tarde do estrangeiro.Os últimos seis anos da doença do pequeno Micael roubaram-lhe a paz de espírito, o sossego e a subsistência. As faltas consecutivas para apoiar o menino doente acabaram por traduzir-se no desemprego. “É uma situação que pode acontecer a qualquer um. Eu também já tive casa e dois carros”, justifica Fátima Tavares.Da sua banda, para os lados de S. João dos Montes, vem a amiga Serafina Lopes, 38 anos. Fátima Tavares ajuda-a a retirar o excesso de base. Serafina Lopes, mãe de sete filhos e portadora de um problema de saúde que a obriga a fazer hemodiálise, é uma pessoa simples. Nunca usou pó de arroz e baton, muito menos desfilou numa passerelle.Passa os seus dias a apoiar a família em casa. O problema de saúde impediu-a de continuar o seu trabalho num armazém logístico.Durante o curso Serafina Lopes aprendeu a pintar em gesso, a bordar e até a decorar um prato. “São coisas que não nos passavam pela cabeça que pudéssemos fazer e que dão muito jeito”, confessa.Cristina Martins, 40 anos, mãe de três filhos, residente em Alhandra, desenhou um vestido de noite preto para desfilar. Nas alças pousam borboletas azuis. Bem poderiam representar a liberdade que a mulher perdeu no dia em que ficou sem o emprego como auxiliar de acção educativa.Participou no curso para se sentir ocupada. “Estava a passar muito tempo em casa e isso não me estava a fazer bem à cabeça”, descreve. Mas a mãe de três filhos e avó de uma neta, ainda não perdeu a esperança de recuperar a independência económica.Tal como as 15 mulheres que nos últimos seis meses participaram no curso, um projecto desenvolvido com a ajuda de voluntários nas freguesias de São João dos Montes, Sobralinho e Alhandra.Os fatos do desfile foram desenhados pelas mulheres. Empresas do norte ofereceram os tecidos e as mulheres deram largas à sua imaginação. Além de gerir a casa e apoiar a família estas mulheres sabem que agora são capazes de fazer muito mais. A psicóloga e coordenadora do projecto, Guida Alves, explica que “são pessoas com carências muito mais sociais que financeiras”. O objectivo do projecto é dar-lhes algumas armas para enfrentar o mercado de trabalho, mas também fazê-las olhar para si próprias e valorizar-se como mulheres.Ana Santiago

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