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O marinheiro que viaja todas as noites para Angola

O marinheiro que viaja todas as noites para Angola

A casa de Adriano Marques de Almeida, na Castanheira do Ribatejo, está repleta de memórias de Angola e Moçambique. Um canhão pousado sobre a mesa, os nós da arte de marinheiro emoldurados, as espadas sobre a parede.Mas o antigo fuzileiro, combatente no Ultramar, não precisa dos objectos para lembrar três comissões cumpridas na guerra. Adriano de Almeida, 66 anos, viaja até terras de África todas as noites. Desde que regressou do Ultramar o sono passou a ser agitado. Foi o fim da tranquilidade.O marinheiro de profissão volta todas as noites ao patrulhamento das águas, aos rios repletos de jacarés, ao comando dos homens, sente-se debaixo de fogo e foge a minas, emboscadas e à incerteza dos dias da guerra.Chegou a Angola com 21 anos. Em 1961. Para a primeira comissão. Partiu num bimotor. Vinte e quatro horas depois começava a sentir os ares quentes de África. “Quando se é jovem encara-se tudo com um espírito mais aventureiro. Foi o que aconteceu comigo. Aos 21 anos não se fazem grandes interrogações. Tínhamos que defender a bandeira das quinas”, explica o ex-combatente.Adriano de Almeida tem recordações da guerra que o fazem soltar uma gargalhada à distância de muitas décadas. Como aquele dia em que caiu a um rio pejado de jacarés. Os “alfaiates”, como então chamavam aos répteis em tamanho gigante. Foram dois minutos que poderiam ter sido fatais.Com o passar do tempo o encantamento de África passou e a dureza da guerra começou a pesar. Tal como o discurso de Adriano de Almeida. Quando fala da terceira e mais dura comissão em Moçambique. O sorriso troca-se por alguns soluços inesperados. Tinha acabado de casar. A partida foi dura. Em Janeiro de 1971, sete meses depois do casamento, deixou a mulher no cais de Alcântara e partiu para o desconhecido a bordo do “Infante D. Henrique”. Um ano depois regressou a casa para um mês de férias. Só no ano seguinte conheceu a primeira das duas filhas, já com três meses de idade.Há muitas décadas Sância Almeida enfrentou a gravidez e o parto sozinha. Hoje enfrenta a instabilidade das noites interrompidas por gritos e saltos na cama do marido. “É o subconsciente. Algumas noites são piores que outras”, explica a mulher. Todas as noites vê o companheiro regressar ao campo de batalha.
O marinheiro que viaja todas as noites para Angola

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