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Transformar velharias em candeeiros de pinhas

Manuel Jacinto encontrou o segredo para fugir da solidão

O artesão de Abrantes tem a casa cheia de candeeiros confeccionados com pinhas. É assim que passa os dias e enfrenta a solidão.

Aquilo que há vinte anos começou por ser uma brincadeira é hoje para Manuel Jacinto uma forma de arte que o ajuda a fugir da solidão. Uma arte que poucos conhecem e que insiste em manter escondida dentro das quatro paredes da sua casa em Abrantes. Porque cada uma daquelas peças, vestidas com pedaços de pinhas, esconde os segredos, as alegrias e as angústias de um homem que, aos 64 anos, continua a procurar razões para enfrentar os desafios da vida.Dois baldes de plástico, um cabo de vassoura em ferro, o esqueleto de um guarda–chuva velho e centenas de pinhas. É esta a base dos muitos candeeiros que enfeitam a casa de Manuel Jacinto. Todos feitos por ele. Com muita paciência e imaginação à mistura.“Isto é tudo reciclado. São materiais que eu vou encontrando ou que me dão. Quando estava na Alemanha, até as lâmpadas, os fios e as fichas eu ia arranjar às lixeiras. Mas agora já tenho de os comprar, porque cá é diferente”, conta.A viver na Alemanha durante 34 anos, foi lá que começou a apaixonar-se pela arte dos candeeiros de pinhas. Num dia em que corria no campo, com a esperança de conseguir manter a forma: “Encontrei um bocado de pau com três pernas e pus-me a imaginar o que é que podia sair dali. Fiz um candeeiro. A partir daí nunca mais parei”. E desde essa altura já lá vão duas décadas. Agora, reformado e a viver sozinho em Portugal há dois anos, são os candeeiros de pinhas que lhe ocupam os dias. “Um candeeiro destes rouba-me oito horas por dia e quase dois meses de trabalho. Depois de fazer a estrutura, corto as pinhas todas aos bocadinhos, colo tudo com muito cuidado, e depois é envernizado para salientar mais a peça. É preciso muita habilidade”, diz Manuel Jacinto.O mais difícil é encontrar as pinhas certas. “Não podem ser umas pinhas quaisquer. As pinhas velhas não prestam. Têm de ser luzidias para ficar mais bonito. Agora ainda não é boa altura para ir à procura delas, porque só começam a cair em Maio”, explica.É por isso que, na despensa, está um candeeiro de pé inacabado, que aguarda pelas pinhas luzidias que lhe deverão revestir a estrutura. Depois, basta fazer as ligações eléctricas e fica pronto a funcionar. “Todos os candeeiros que eu tenho estão a funcionar. Todos dão luz e são seguros. É preciso saber também um bocadinho de electricidade”, alerta Manuel Jacinto. Para provar o que diz, liga um dos candeeiros à corrente. O primeiro que fez. Um, entre os muitos que se espalham e perdem por toda a casa. Seja no tecto, nas mesinhas de cabeceira, ou no chão. São dezenas de candeeiros.“Eu não quero vendê-los. Esta é uma arte tão especial que eu não acredito que haja mais alguém no mundo a fazer uma coisa destas. Vou oferecendo alguns aos amigos e mais tarde, um dia que eu me queira desfazer disto, ficam para os meus dois filhos”, diz Manuel Jacinto, que se recusa a atribuir um valor quantitativo aos seus candeeiros.Até lá, vai continuar a encher a casa de candeeiros de pinhas. Porque não consegue estar parado. “A maior parte do tempo estou a trabalhar nos candeeiros, mas se não tenho material, passo os dias a ler e a escrever. Sei alemão, inglês e português. Vou aprendendo com os livros. Eu não posso é parar. Porque parar é morrer”, remata Manuel Jacinto.Carla Paixão

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