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“Só podia ser campino”

“Só podia ser campino”

As memórias de “Ti” Francisco Paulino, homenageado na Feira de Maio de Azambuja

“Ti” Francisco Paulino, um dos campinos mais antigos da Feira de Maio de Azambuja, dedicou uma vida inteira aos toiros e cavalos.

O homem de colete encarnado e corpo esguio monta o cavalo preto sobre uma manta riscada. Sob o barrete verde, colocado a preceito, sobressaem os cabelos grisalhos de “Ti” Francisco Paulino, um dos campinos mais antigos da Feira de Maio de Azambuja, homenageado na manhã de domingo, na Praça do Município.Os cabelos claros e a tez morena do sol denunciam 66 anos de vida. Quase toda dedicada aos toiros e cavalos. “Ti Chico”, como lhe chamam carinhosamente, é o último de uma geração de campinos que já vai longa. “Só poderia ser campino”, concluiu o director da Feira de Maio, José Jerónimo.“Ti Chico” não foi à escola. Trocou a ardósia pelo trabalho com o gado, como anogeiro ou rapaz dos bois. Começou no condado de Pancas, Herdade de Camarate, onde o pai era maioral.A época não era fácil. O calçado escasseava, tal como o vestuário e alimentação. Foi também com o pai que seguiu até à herdade de Carneiro. Foi lá que se apaixonou pelo gado bravo. Antes de ir à tropa. Sobreviveu à guerra do Ultramar e aos toiros com alguns percalços pelo caminho.“Na Casa do Senhor Conde Cabral procedíamos à apartação dos toiros sementais que estavam nas vacas. O meu cavalo, em vez de saltar uma aberta, enfiou lá os dianteiros. Cai. Devo ter batido com a cabeça em qualquer sítio porque fiquei zonzo. Levantei-me e comecei a caminhar em direcção ao toiro. Se os colegas não tiram o toiro do meu caminho. Estava-se mesmo a ver”, recorda José Jerómino evocando as recordações do campino. Há oito anos, em Braço de Prata, Ti Chico quase perdeu a orelha esquerda. Um toiro voltou para trás. O campino, que abria um portão, escorregou e caiu. Ficou como morto. “Quando os bombeiros chegaram ouvi alguém dizer. ‘Este só cá volta no caixão’”.Ti Chico desbastou cavalos na Coudelaria e passou por um picadeiro em Caneças. “Mas porque galinha do campo não quer capoeira, só lá esteve seis meses”, conta José Jerónimo. Conquistou o lugar de maioral das vacas bravas no Conde Cabral. As movimentações com os toiros eram feitas sempre a cavalo. Tal a dimensão da herdade onde permaneceu durante 13 anos.“Iam buscar os toiros junto ao rio muito perto de Alcochete para enjaular no Monte de Bate Orelhas, que ficava a uns quantos quilómetros do rio”, recorda José Jerónimo.O campino foi picador de tentas de selecção de gado bravo, novilhos, vacas e toiros. Realçava a bravura e trapio dos tentados. Alegrava-se quando eram seleccionados. Tinha pena dos rejeitados porque morriam sem glória em qualquer matadouro.A instabilidade da revolução de Abril atirou-o para as Marinhas de Sal como vasa sacos. Ali equilibrava o orçamento familiar sem perder de vista a eguada de 60 cabeças à sua responsabilidade.Adoeceu. Caiu, mas voltou a levantar-se, que os campinos não ficam presos nas camas de hospitais. Regressou à vida activa na Casa Prudêncio e na Companhia das Lezírias onde saiu reformado em 2005. Hoje colabora na casa de Jorge Carvalho. “Ti” Chico só tem pena que uma dinastia de campinos acabe aqui. José Jerónimo tem a certeza de que o reinado se fecha com chave de ouro. Ana Santiago
“Só podia ser campino”

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