uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Fartos de ver homens a dançar com homens”

Antes de ser rancho, o Rancho de Riachos foi marcha de Carnaval. Joaquim Santana confessa que na altura nem sabia o que era o folclore. A única ideia que ele e os amigos tinham era deixar de ter homens a dançar com homens no desfile do Entrudo. Conseguidos os pares começou a dança, que dura até hoje, dos Camponeses de Riachos

O Rancho Folclórico Os Camponeses de Riachos começa com uma marcha de Carnaval.O senhor Martinho Lopes fazia todos os anos duas coisas interessantíssimas. O Enterro do Bacalhau, uma récita satírica com um texto escrito por ele e uma dança ou marcha de Carnaval. Esta última era uma brincadeira em que homens dançavam com outros homens vestidos de mulheres. Coisa normal no Entrudo mas com a qual decidimos embirrar. Queriam meter mulheres da marcha? Aquela brincadeira de homens com homens por vezes originava conflitos. Estávamos em 1958. Outros tempos. Eu e o Martinho que ainda hoje está no grupo comigo, pensámos fazer uma coisa idêntica com raparigas e rapazes. Custou muito. Naquela altura foi o cabo dos trabalhos. Mas lá conseguimos dez raparigas.Duras negociações com as mães.Com as mães não. As mães são fáceis. Com os pais é que era o cabo dos trabalhos. Davam-nos respostas do arco-da-velha.Guardavam as filhas como tesouros.Um deles acabou por autorizar as duas filhas mas quando fomos falar com ele à taberna da primeira vez foi um problema. Para dar seriedade ao assunto dissemos que estávamos a organizar aquilo com alguns directores da filarmónica. Foi pior a emenda que o soneto. Ele olhos para nós e disse: “Olhem, digam lá a esses senhores que se querem filhas para brincar ao Carnaval façam-nas primeiro”.Mas acabou por deixar ir as filhas.Deve ter sido a esposa que o convenceu (risos)Pelo que percebi sempre que havia problemas para convencer raparigas a entrar para o ranço ia falar com as mães? Sim, as mães são muito mais abertas nesse aspecto que os pais. E foi através da marcha de Carnaval que nasceu o rancho? A ideia de um rancho folclórico nunca me passou pela cabeça. Eu nem sabia o que era o folclore. O rancho surge algum tempo depois.O Celestino Graça foi o grande impulsionador dos ranchos folclóricos do Ribatejo. E levava-os à Feira da Agricultura em Santarém todos os anos. Era assim que assegurava a animação da FeiraE como se organizam para ter danças, trajes, músicas? Entusiasmámo-nos e começamos a recolher. Eu e o Martinho íamos de casa em casa. Elas falavam, cantavam. Temos tudo apontado. Danças, cantigas. Faziam gravações das músicas? Nessa altura nem tínhamos um gravador. Era o Martinho com um clarinete que aprendia a tocar as músicas e havia também um rapaz que tocava saxofone, o João do Carmo Ferreira. Os dois aprendiam e depois ensinavam outros músicos, tudo de ouvido. Só mais tarde essas músicas foram registadas em partitura. Foi um trabalho a pulso. E os trajesNós só começamos a recolha de trajes no ano seguinte, 1959. Na Marcha do Carnaval apresentámo-nos com umas fardas que tínhamos idealizado mas um ano depois já estávamos a dançar folclore. Nessa altura convidámos algumas pessoas para a festa. Tínhamos um petisco no fim, quase como fazemos ainda hoje. Veio o Dr. José Marques, pai do dr. Trincão Marques, o senhor Fernando Cunha, que era na altura vereador na câmara. Uma apresentação para VIPs?No final o dr. José Marques disse que ia convidar o Celestino Graça para nos vir ver e dar algumas indicações. O Celestino Graça foi o grande impulsionador dos ranchos folclóricos do Ribatejo. E levava-os à Feira da Agricultura em Santarém todos os anos. Era assim que assegurava a animação da Feira. Foi a pedido dele que fizemos uma recolha de trajes tradicionais nessa altura.Mas as preocupações com o rigor não eram o que são hoje. As raparigas ainda usaram aquelas saias vermelhas rodadas muitos anos?Ainda hoje há ranchos que as usam. E mesmo nós, que sabíamos que aquilo não era assim, as usámos até 1982. Aquilo moía-me porque eu fazia parte do conselho técnico da Federação de Folclore, andava a pregar aos outros que tínhamos que respeitar os trajes da época que recriávamos, e o meu grupo não o fazia.Até que um dia…Exactamente. Até que um dia, em Tomar, tivemos uma grande reunião da Federação de Folclore com um espectáculo a fechar em que actuou o Rancho de Riachos. Quando acabou o tesoureiro da federação, senhor Manuel Vale, que era um dos meus melhores amigos, chamou-me de lado e disse-me frontalmente que as saias das raparigas não podiam continuar assim. Chamei o grupo atrás do palco e disse-lhes: “A partir de hoje - e ninguém me vai responder - as saias das raparigas vão passar a ser como eram as saias usadas em 1900. Estamos a apresentar danças do final do sec XIX, princípio do sec XX. Tenham paciência”. E eu nessa altura tinha um grupo difícil.Houve protestos?Na altura não. Mais tarde houve uns resmungos de resistência das mais velhas. Das casadas. Fomos o primeiro grupo a fazer aquelas modificações em toda a região. Nas saias e nas outras peças de vestuário. A adoptar os trajes de acordo com o que se usava na época que recriamos. Mas houve muitos directores de grupos que me disseram na altura que com aquilo o grupo perdia metade do seu valor.

Mais Notícias

    A carregar...