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Uma vida a fazer fatos por medida

Uma vida a fazer fatos por medida

Francisco Dias Palha é o último alfaiate em Vila Franca de Xira

Há muito que mandar fazer fatos por medida passou de moda. Mais práticos e económicos os fatos já feitos do pronto-a-vestir são hoje a primeira opção da generalidade das pessoas. Por isso a profissão de alfaiate está em vias de extinção. Francisco Dias Palha é já o último em Vila Franca de Xira.

De fita métrica ao pescoço, Francisco Dias Palha risca geometricamente o tecido azul com a ajuda do giz e da régua e esquadro. O que hoje é apenas um conjunto de retalhos em alguns dias será um casaco feito à medida do seu proprietário.Com 65 anos de vida e quase outros tantos de actividade, o alfaiate de Vila Franca cresceu entre tecidos, linhas e agulhas. Em Alter do Chão, no Alentejo, a sua terra natal, Francisco Dias Palha apaixonou-se pela profissão quando ainda mal se conhecia como gente.O bichinho pegou-lho o pai, alfaiate de profissão. De resto toda a família esteve ligada a esta arte: o irmão e três tios eram alfaiates, mas depois de falecerem ficou apenas o Palha, como é conhecido na cidade que adoptou.Depois de ter terminado a quarta classe aprendeu o ofício a que se tem dedicado toda a vida. Aos 17 anos mudou-se para Lisboa para trabalhar nas reputadas casas de alfaiataria da baixa. Uma oportunidade de trabalho única trouxe-o, cinco anos depois, para Vila Franca onde acabaria por ficar. Existiam na altura 12 alfaiates na cidade. “Foi tudo fechando e eu cá vou resistindo”.Depois de 11 anos a trabalhar por conta de outrem decidiu arriscar e abriu o seu próprio estabelecimento na esquina da rua Jacinto Nunes onde está ainda hoje. Os tempos áureos de negócio já passaram, mas diz que “ainda há quem mande fazer fatos por medida, já não com tanta frequência, mas há”.E é desses poucos que a Alfaiataria Palha vive, mais por amor à arte, do que pelo lucro. Isto apesar de um fato, incluindo calças, casaco e colete, nunca ter um preço inferior a 600 euros. Francisco Dias Palha justifica: “Num pronto-a-vestir custa 70 ou 100 euros, mas é completamente diferente, não tem nada a ver. Aqui desde a confecção ao acabamento é tudo feito à mão, o material é da mais alta qualidade e é tudo feito à medida do corpo do cliente. São como uma segunda pele.”São sobretudo os mais velhos que ainda solicitam os serviços da Alfaiataria Palha, embora haja alguns jovens a mandar fazer esporadicamente um fato. Os homens são os seus principais clientes até porque Francisco Dias Palha não gosta muito de fazer fatos para senhora. É “uma confecção mais delicada”, explica. Assumindo-se como um apaixonado pela sua “arte”, o alfaiate de Vila Franca de Xira sublinha o “gozo” que lhe dá “ver aquela beleza de um fato feito por medida”. E diz-se muito orgulhoso do trabalho que faz, sobretudo quando encontra na rua alguém com um fato feito por si. A crise em que o país mergulhou nos últimos anos agravaram tirou ainda mais clientes ao alfaiate, que de seis costureiras passou apenas a uma. Já nem os noivos quando se casam querem um fato por medida e preferem comprar já feito. O fato do casamento do filho foi Francisco Dias Palha que fez, mas também terá sido um dos poucos que executou para ele, que prefere “coisas mais desportivas”. Já o alfaiate recusa-se a vestir um fato já feito. “Não seria capaz”, frisa. Recorrendo a dois espelhos para tirar as medidas e fazer as provas, faz os seus próprios fatos. Para ajudar a enfrentar a crise apostou na confecção de fatos de montar. Numa região onde o cavalo assume grande protagonismo a aposta revelou-se ganha. Para além de clientes do concelho, vêm pessoas de Sintra, Cascais e Estoril para encomendar fatos curtos de montar. “Uma obra que fica um bocadinho cara” e que “dá muito trabalho”, mas da qual Francisco Dias Palha também muito se orgulha.O alfaiate tem uma única mágoa: não ver a continuidade desta profissão na família. Os filhos não se interessem e de resto “também já são tão poucos os alfaiates que existem no país”. Sara Cardoso
Uma vida a fazer fatos por medida

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