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Sangue Azul

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CrónicaO São Martinho, na Golegã, é uma festa nacional. Durante oito dias a capital do cavalo triplica a sua população residente. As garagens são alugadas para os visitantes, muitos deles estrangeiros, dormirem no chão em sacos cama, e algumas habitações rurais, apenas com uma casa de banho, chegam a alojar dezena e meia de pessoas durante o fim de semana que coincide com o dia 11, como aconteceu este ano. Durante o dia um mar de gente inunda aquelas ruas, de casas a cheirarem a campo, que se transformam em verdadeiros parques de estacionamento.No S. Martinho, na Golegã, o sotaque dos beirões, dos alentejanos, dos minhotos e dos transmontanos confunde-se com o dos ribatejanos na discussão do preço de uma samarra, de um casaco de peles, de uma manta de pastor, de umas botas de cabedal.A feira já não é o que era dantes. Os espanhóis estão por aí. A fancaria está mais pobre porque vem da China onde o mundo é outro mundo. Até os ricos, digo, até os excelsos cavaleiros e cavaleiras, montados nos seus belos cavalos, já têm que repartir o espaço da feira com alguns disfarçados de ricos e de marialvas, montados em charretes de alumínio, berrando e conduzindo a uma velocidade que não se adequa ao espaço nem ao espírito do lugar.Nalguns aspectos e feira está melhor. Agora existem discotecas para o pessoal mais jovem abanar o capacete. Eu estive lá e sei do que falo. A água-pé continua a ser uma mixórdia. Só a bebe quem tem as férias marcadas para esta altura e pode depois andar a caminho da casa de banho durante dois dias. A coca cola e a cerveja a dois euros o copo não deixa margens para dúvidas: o negócio é para ganhar dinheiro e o resto é conversa. Quanto ao preço das castanhas nem se fala: dois euros uma dúzia. Mas ao preço que está o carvão não admira que os vendedores de castanhas não montem a cavalo nem se façam transportar em carrinhas Mercedes. Neste capítulo do negócio também ninguém sabe quanto valem os alugueres dos pavilhões, e dos espaços de venda na rua, na Feira de S. Martinho. Seguramente, corre muito, muito dinheiro.Esta crónica foi sugerida por um homem cego, que conheço desde que me conheço como gente, que debaixo de um chapéu e com uma aparelhagem de som apelava à compaixão das pessoas para lhe darem uma esmola, enquanto ele dava em troca uma música fadista de muito má qualidade, reproduzida num aparelho dos anos cinquenta, mas que me comoveu. Recusei-me a usar a máquina para fotografar a desgraça. Se não fosse o patrão de mim próprio tenho a certeza que levava um puxão de orelhas do meu chefe.Curiosamente, desculpem falar do que se passa na nossa caserna, fui o único jornalista a registar o S. Martinho deste ano. Não é por acaso. Eu devo ser o único jornalista de O MIRANTE que tem sangue azul, de tanto vinho tinto que bebi quando tinha outra idade e era filho da cepa.JAE
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