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Quando os juízes descem do pedestal

Quando os juízes descem do pedestal

A única vez que alguém me pediu desculpas num tribunal por ter estado uma manhã à espera de uma audiência de julgamento que acabou por não se realizar, foi há cerca de quatro anos. Eu era testemunha de um camarada de profissão acusado de difamação, cujo processo corria na comarca de Abrantes. À hora marcada todos os intervenientes estavam no palácio da justiça da cidade e ao fim de duas horas em pé numa sala de espera fria, nada acolhedora e sem bancos, a impaciência dominava. Mas acabámos por levar uma boa imagem daquele tribunal e do juiz do caso, que aparentava não ter mais que uns 35 anos, quando este nos chamou para dar uma justificação pela espera. Recordo-me, como se fosse hoje, ter entrado numa sala onde mal cabíamos e ver o magistrado, ladeado por um funcionário judicial, anunciar com simpatia que as partes tinham chegado a um acordo e lamentar a espera a que estivéramos sujeitos. Pensei naquele momento que aquele devia ser um sinal de que a justiça se estava a aproximar dos cidadãos. Pura ilusão. Nos anos seguintes, no exercício da minha profissão, voltei a confrontar-me com a burocracia, com juízes que se fecham no seu casulo, que não dão explicações a ninguém. Lembro-me do caso de um juiz em Torres Novas que não permitiu a consulta de um acórdão, proferido numa sessão pública, sem fazer um requerimento. Tinha pouco tempo para escrever o artigo de forma a poder entrar na edição daquela semana e adivinhava que a autorização não ia ser despachada a tempo. Os prazos dos tribunais não se compadecem com a urgência da actualidade jornalística, com o dever de informar as pessoas. Tentei através do funcionário, que foi inexcedível, chegar à fala com o magistrado para lhe explicar as razões da pressa. A resposta que obtive foi: “O senhor dr. juiz manda dizer que não faz atendimento ao público e que não pretende recebê-lo”. Quem faz as instituições são as pessoas. E quando já me conformara a nunca mais encontrar um juiz como o de Abrantes, eis que, recentemente, sou confrontado com mais um bom sinal. Preparava-me para assistir a um julgamento no Tribunal de Santarém quando uma funcionária judicial me vem pedir para a acompanhar. Leva-me ao gabinete do juiz presidente do colectivo, que se apresenta, chama-me a atenção para o direito à imagem do arguido e deseja-me um bom trabalho. A isto chama-se uma justiça humanizada, respeitadora e merecedora de respeito, feita por cidadãos que trabalham em prol de outros cidadãos. As débeis e distantes relações dos tribunais com o jornalismo podem mudar, cimentando-se numa confiança mútua, com regras e procedimentos claros de parte a parte. A justiça só tem a ganhar e o jornalismo também. Mas os juízes e funcionários precisam compreender e aprender mais sobre o mundo da comunicação social que está em constante mutação. O contrário também se aplica. Os jornalistas também precisam conhecer melhor as leis, os procedimentos dos tribunais, para que as notícias e reportagens sejam rigorosas. Mas a ponte entre os dois universos não se faz fechando as portas ao jornalismo sério, ético, exigente, só porque alguém fez um artigo mais sensacionalista. O justo não pode pagar pelo pecador. Porque hoje tal como é importante saber divulgar com isenção, também não é menos importante que os tribunais saibam comunicar.António Palmeiro
Quando os juízes descem do pedestal

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