uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Sonho recorrente

Foi num sábado qualquer. Espreguicei-me e olhei para o relógio. Marcava nove horas. “Já estou atrasada”, pensei. Levantei-me, fui à casa de banho, lavei a cara e fumei o primeiro cigarro do dia. Antes de tomar um duche fui ao escritório. Em cima da mesa resmas de papel, anotações para meia dúzia de trabalhos agendados para a edição semanal. Chamou-me a atenção uma nota escrita com letras gordas a vermelho – “feitos”. Feitos? Não me lembrava de os ter escrito…liguei o computador, arrastei o rato para a pasta dos meus documentos e lá estavam os trabalhos, com título e número de caracteres. “Bem, vou ter uma manhã descansada”, pensei enquanto tomava banho.O som alto da televisão indiciava que a minha filha já tinha acordado. Dei-lhe um beijo de bons dias, fiz o pequeno-almoço para as duas e enquanto o pão torrava dei uma espreitadela ao ecrã do telemóvel. Nenhuma chamada não atendida, nenhuma mensagem. Foi depois do pequeno-almoço que comecei a sentir o formigueiro nos dedos. A filha entretida com os desenhos animados, o marido a trabalhar…e eu, que faria? “Posso finalmente marcar a depilação, ou ir ao cabeleireiro”, pensei com os meus botões. Lembrei-me de uma frase que a minha mãe costuma dizer – “Uma mulher tem sempre que fazer quando está em casa”. Olhei em redor e decidi tirar a manhã para estar com a Xana. Quando me sentei no sofá ela olhou para mim. “Que estás aqui a fazer?” perguntavam-me os olhos grandes que rapidamente se viraram para os desenhos animados. Levantei-me desapontada e o formigueiro nos dedos intensificou-se. Verifiquei novamente o telemóvel. Nada. Liguei outra vez o computador e entrei no meu e-mail. “Sem novas mensagens”.Deambulei pela casa como um autómato até à hora do almoço. Fiz qualquer coisa rápida, levei a Xana à catequese mas antes avisei-a – “Se a mãe não estiver aqui à hora de saída …”. Não me deixou acabar – “Já sei, vais trabalhar e eu tenho que ir a pé para a música e depois para casa da avó. Quando voltas?” “Não sei”, respondi. Nem sabia se ia sair…Comprei mais um maço de cigarros e fui para casa. Liguei o computador pela terceira vez, vi o e-mail, naveguei pelos sites dos jornais locais e nacionais. Telefonei à polícia, aos bombeiros. Nada de crimes nem acidentes. Liguei a meia dúzia de “fontes”. Nenhuma notícia fresca. Por esta altura já o formigueiro tinha tomado conta de todo o corpo. Entrei em “stress”. Olhei lá para fora e fingi não ver as ervas a crescerem no jardim. Pus o telemóvel no bolso –“nunca se sabe…” - e fui dar comida ao cão.Agarrei num livro, que pus de lado passado cinco minutos. Liguei a televisão, vi as horas e fui buscar a minha filha. Apanhei-a a meio do caminho e levei-a à música, com a recomendação anterior. “Chata”, ouvi-a sussurrar antes de entrar. Estava uma pilha de nervos quando o meu marido chegou. Mal entrou, notou logo. “Não te percebo, devias estar contente, finalmente tiveste um dia inteiro livre” atira-me. Encolho os ombros e tento esconder a ansiedade quando me diz, pela milésima vez, que casei com a profissão. O telemóvel tocou primeiro que o despertador. Atendo a chamada enquanto vejo as horas – 8h30. “Margarida, Tomar está inundada, se puderes lá ir tirar umas fotos…”. A voz do chefe de redacção trouxe-me de volta à realidade.Foi num sábado qualquer que sonhei não ter nada para fazer. Levantei-me, fui à casa de banho, fumei o primeiro cigarro do dia. “Já estou atrasada”, pensei e suspirei (aliviada?). Mais um dia normal de trabalho.Margarida Cabeleira

Mais Notícias

    A carregar...