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“Amar a Igreja nem sempre é fácil quando ela tem os defeitos que tem”

“Amar a Igreja nem sempre é fácil quando ela tem os defeitos que tem”

O padre José Luís Borga garante que nasceu para ser padre e que não consegue imaginar nada melhor para fazer na vida

O padre José Luís Borga é conhecido nos quatro cantos do mundo devido à sua participação regular em programas de televisão e às suas canções. Homem frontal e por vezes polémico critica os que usam a religião para atingir determinados objectivos nada religiosos e garante que a melhor forma de sermos autênticos é vivermos de acordo com a nossa consciência. O facto de ser sacerdote não o inibe de ser crítico da igreja católica que prometeu seguir e amar.

O facto de ser um padre jovem, com posturas por vezes pouco comuns na atitude tradicionalista da igreja, contribui para alguma desconfiança em relação a si. Como convive com essas críticas?Há dois tipos de atitude. Uma é o escândalo, em que as pessoas falam sobretudo pelo canto da boca e se possível pelas costas. Mas há também os que admiram e é fácil ouvir que todos os padres deviam ser como eu, o que é uma estupidez enorme. Geralmente ouço muito isto de pessoas que nem sequer levam a sério a sua opção cristã. E há também os outros que estão sempre a ver onde é que isto vai parar. Mas eu descobri que não posso formatar a minha maneira de ser pelas expectativas das pessoas. A melhor maneira de ser autêntico é viver de acordo com a minha consciência sem nunca esquecer as minhas promessas de fidelidade à igreja que quero seguir e amar. E amá-la nem sempre é fácil quando ela tem os defeitos que tem. Que defeitos são esses?O primeiro é cair facilmente na visão triste e condenatória dos erros das pessoas. O Evangelho adverte-nos sobre o risco do fariseísmo. Depois a facilidade com que ela se aquieta e acomoda ao cumprimento estrito de três ou quatro obrigações que nos deixam absolutamente convencidos que já não temos mais nada para dar. É preferível ter uma religião até certo ponto errada do que uma religião que acha que nunca erra e está sempre certa. Saímos de uma cristandade antes do concílio Vaticano II em que a sociedade perfeita era a própria igreja, o que foi um erro absoluto da falta de ler o Evangelho, para uma igreja que se acha pobre e fraca mas que se sabe movida pelo espírito de Deus. E é aí que está a fortaleza dela, a ponto inclusive de poder perder tudo e de humanamente se tornar uma fracassada. Mas tem, tal com Cristo na cruz, a certeza de que é Deus que a move.Fala quase como se houvesse duas igrejas diferentes…Eu sou da igreja de São Francisco de Assis, de Madre Teresa de Calcutá, do Padre Cruz, do Pai Américo, de uma série de irmãs que trabalham nas ruas com os sem abrigo. É esta igreja que eu sinto. Uma igreja que tem de se sentir missionária e que não está só à espera daqueles que vêm pedir trabalho e nem sempre pelas melhores razões. Uma igreja que gosta de estar à frente e propor uma nova maneira de encarar as coisas. Uma igreja que eu lamento se veja pouco, sobretudo em Portugal, onde existem as outras igrejas. As dos que têm a mania que são mais que os outros e que andam de nariz empinado porque acham que são perfeitos.Não é essa igreja, talvez mais de elite, que contribui para que quem anda fora da igreja não sinta vontade de se aproximar?É verdade. São pessoas que a maior parte das vezes só justificam status quo. Que apenas querem que quem não está não entre e que quem está não saia. Mas não é esse o espírito de Deus e aquilo que Cristo nos veio ensinar. A igreja tem de falar menos de si e mais de Cristo.Não seria de esperar que a igreja hoje em dia já fosse mais aberta nalgumas questões?Isso é outro erro. As pessoas, sobretudo as que não são da igreja, sabem sempre o que é que a igreja deve ser. O discurso fácil e populista critica a igreja porque não tem convicção e depois quando encontra uma pessoa convicta chama-lhe fanática. Mas há questões polémicas como o uso do preservativo que a igreja continua a condenar…É preciso perceber que não é o preservativo que está mal. O que está mal é o que isso possa significar em termos de falta de autenticidade, verdade e maturidade nas relações. Quando se consegue passar a coisa desta forma penso que todos percebem a posição da igreja.Está aí a questão do aborto. Vai-se envolver directamente?Não me vou envolver na campanha mas já expressei a minha opinião. Não tenho dúvidas que matar alguém ou uma vida é errado. É como o pensamento de matar alguém que me está a chatear. Só o pensamento é diminuidor daquele que pensa e do que executa. Na maternidade o que se está a desenvolver no corpo da mulher não é uma doença nem é um cancro, pelo que não pode ser visto pela área da saúde. Se o sim vencer, o mais fácil é fazer o aborto e isto em termos dos valores que constituem uma sociedade é absolutamente preocupante. É a mesma coisa que a droga… a droga é um mal… então vamos fazer uma casa onde as pessoas se possam drogar com requinte. Assaltar bancos também é mal mas qualquer dia vamos criar uns bancos onde as pessoas possam fazer os assaltos porque gostam daquele ambiente de tensão. Estamos a criar uma sociedade demasiadamente caprichosa e que resolve os problemas todos à superfície.Neste caso concreto a lei deve ser aplicada como está actualmente?A lei deve ter o peso que tem e ao ser aplicada deve ser um juiz a ponderar. É essa a razão porque todas as mulheres que foram a tribunal não foram condenadas e todas tinham mais de dez semanas. O que tenho pena é que as pessoas que têm os lugares onde se fazem os abortos não sejam perseguidas. É uma máquina montada para ganhar dinheiro.O número de crianças inscritas na catequese tem baixado. Porquê?Preocupa-me muito e é dramático. As crianças hoje estão envoltas em coisas que as tornam solitárias e as colocam no isolamento. Dão-lhes coisas para elas não incomodarem nem sequer os pais. É uma experiência de não socialização muito preocupante. Faço questão de participar em algumas sessões e sinto que vir à catequese ainda é uma coisa que elas vêm mas entender aquilo como um auxílio para se integrarem na comunidade é um salto que não dão. Isto não pode durar muito tempo e os pais mais que darem brinquedos têm de brincar com elas, mais do que falar têm de rezar com elas e mais do que dizer que devem ir à igreja devem ir com elas. Mas também estou preocupado com o abandono dos idosos e com a sobrevivência dos jovens. É uma crise civilizacional que temos de ter a coragem de enfrentar e a simplicidade de acreditar que temos resposta para isto com respostas solidárias uns para os outros.Os rituais católicos durante as missas não serão também pouco atractivos sobretudo para as crianças?A Eucaristia não é para crianças, tal como um jantar de família. Mas há lugar para elas nem que seja numa mesa à parte ou no colo da mãe. Não podemos infantilizar uma coisa que é séria sob pena de transformarmos aquilo para crianças e deixarmos os adultos a chuchar no dedo. Temos de ter é uma igreja que tem criatividade e propostas. A liturgia é uma coisa mas depois temos outros espaços que é preciso descobrir. As crianças precisam de espaços e dinâmicas para perceberem o significado das coisas.Mas igreja não é muito dada à experimentação…Sim e não. Em algumas aldeias o que importa é que o padre lá passe a celebrar missa e não importa se o que lê sabe ler, se o que canta sabe cantar, e por ai além. Mas isso não é nada. Eu faço um concerto e estou ali duas horas e as pessoas pedem mais. Na missa ao fim de meia hora muitos estão desejosos que aquilo acabe. Isso é falta de qualidade. Temos de ter um coro como deve de ser, uma boa aparelhagem sonora, um padre que diga coisas que as pessoas entendam e que valha a pena ouvir. O problema é que isto caiu tudo numa rotina e numa sobrevivência em que as pessoas se tiverem missa à porta de casa vão, se for a dois quilómetros de distância já não vão.A abertura da igreja católica a outras religiões é benéfica?Cada vez é maior e eu, por exemplo, trabalho com músicos evangélicos… Nós já percebemos que o que nos divide é mais a nossa pobreza que a riqueza da fé. Temos de ter algum desportivismo nisto mas com uma atitude muito coerente de abertura e acolhimento, o que vai acontecendo, felizmente.Há quem o critique por ganhar muito dinheiro. Como convive com essas críticas?Tenho a preocupação de usar o dinheiro como uso tudo o resto. Tudo na minha vida é ao serviço da minha vocação. Quem vier a esta igreja (Igreja de Nossa Senhora de Fátima no Entroncamento) ver as obras que aqui estão percebe que não é com os ofertórios e com os trocos que as pessoas dão na missa que se faz isto. Graças a Deus já “enterrei” aqui muito dinheiro e vou continuar a “enterrar” com todo o gosto. Neste momento não recebo um tostão da igreja pelo meu trabalho como padre e metade do dinheiro que ganho com os espectáculos e com a televisão é para a igreja ou outras obras sociais.Se não fosse padre via-se a fazer o quê?O Eusébio diz que nasceu para jogar futebol, eu nasci para ser padre. Não imagino o que seria se não fosse padre nem imagino outra coisa melhor.Há quanto tempo não tem férias?Há uns anos. Desde que estou no Entroncamento nunca me lembro de estar duas semanas fora e por conta própria.
“Amar a Igreja nem sempre é fácil quando ela tem os defeitos que tem”

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