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“Torres Novas é intolerante”

Nasce em Alcobaça, vai para Lisboa, mora em Peniche, passa por Castelo Branco e fixa-se em Torres Novas. A família do meu pai é daqui. Ali da Ribeira Branca, Ribeira Ruiva. Eu nasci em Alcobaça em casa do meu avô materno. Uma casa num moinho à beira-rio. Ainda vivi com os meus pais em Peniche durante três anos. Foi lá que nasceu a minha irmã Margarida. De Peniche viemos para Torres Novas.Como era a vida em Torres Novas?Em Torres Novas as pessoas sempre foram muito moralistas. Isto tinha uma lâmpada pendurada a cada canto da rua. Os livros compravam-se no António Lopes e irmão. Era uma mercearia. Os livros estavam numas barricas. Não havia uma montra em Torres Novas. A minha mãe chega aqui com decotes, saltos altos. Ela ia ao café e as mulheres não podiam ir ao café. Não íamos à missa. Um escândalo. Fomos ostracizados. Mas como nos tinha acontecido o mesmo em Peniche já estávamos vacinados. Ganhou alguma alergia a Torres Novas? Não. Fomo-nos simplesmente afastando até ao ponto de nem sequer irmos à vila. Esta sociedade sempre foi muito apertada. As pessoas têm que se enquadrar numa determinada linha. Não se admite que as pessoas saiam dessa linha. E nessa altura até havia muito mais gente capaz. E não falo de pessoas formadas, falo de pessoas cultas; auto-didactas. Pessoas com mais capacidade para admitir a diferença do que hoje. Torres Novas é intolerante mas eu deixei de ligar a isso há muito tempo.Como vem parar a Parceiros de S. João (Freguesia do concelho de Torres Novas)? A minha filha tinha comprado uma casa numa aldeia. Um dia fomos à câmara tratar de qualquer coisa e eu vi o projecto da Torres Novas moderna. Foi um choque. Disse logo que não vivia mais ali. Tinha que fugir dali imediatamente. Nesse dia comecei à procura de casa. Até aos Casais Martanes fui à procura de casa. Foi o Presidente da Junta que me falou desta casa. Estava completamente em ruínas. Nem consegui vê-la por dentro tal era o estado de degradação. Reconstruiu a casa?Ainda está em reconstrução. Há mais coisas para fazer. Curiosamente, depois de termos tirado daqui as ruínas, o lixo, os ratos, não houve ninguém que não dissesse mal. Que era uma casa muito grande… denunciaram-me à câmara. Para as pessoas era melhor terem aqui a ruína e o lixo. É típico de mentalidade de aldeia.Não é a mentalidade de aldeia. É a mentalidade nacional. É a nossa mentalidade. Nós somos invejosos, mesquinhos. E agora? Dá-se bem com as pessoas?Já passou a fase de dizer mal. Algumas são minhas amigas. Vêm-me trazer couves para as galinhas, limões… há aqui uma senhora atrás que me tira o quebranto (risos). Costuma ir lá às consultas dela? Eu não vou lá. Quando eu faço muito bancos de urgência seguidos no hospital e ando com muito sono a minha empregada acha que eu tenho quebranto e vai falar com a senhora. É uma consulta por interposta pessoa. Entretanto durmo e enquanto durmo o quebranto passa. Acordo fresca. As rezas fazem muito efeito (risos).Manda doentes para bruxos e endireitas.Não mando. Se bem que antes dizia-se que a grande diferença entre os endireitas de café e os ortopedistas é que uns tinham raio xis e outros não. É por isso que eu não sou operada à coluna. Tenho um medo. Dá-me um frio fininho. Você nem queira saber. O que foi para si o 25 de Abril?Foi o acreditar que Portugal deixaria de ser tacanho e mesquinho. Uma santa ingenuidade. Eu nessa altura não tinha consciência que eram defeitos nacionais. Que não tinham nada a ver com o regime. Nós podemos ter qualquer regime que havemos de ser sempre tacanhos, mesquinhos, invejosos, mauzinhos, cobardes, pequeninos. Não há nada a fazer.Diz isso a sorrir. É deprimente mas não há nada a fazer. É esta nossa maneira de ser. É o único país onde as leis se fazem para furar. Quando aparece uma lei ninguém pensa na maneira de a cumprir mas na maneira de a desrespeitar. Não há forma nenhuma de resolver isto.

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