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Lucinda Freitas é auxiliar de acção educativa há três décadas

Lucinda Freitas é auxiliar de acção educativa há três décadas

Funcionária não se vê a fazer outra coisa na vida

Com apenas a quarta classe, Lucinda Freitas trocou o trabalho do campo pelo da escola, com uma “cunha” da mulher do Presidente da República da época, Américo Tomás.

Lucinda Freitas, 59 anos, é actualmente coordenadora das auxiliares de acção educativa da Escola Secundária Santa Maria do Olival, em Tomar. Durante mais de três décadas assistiu a vários momentos de evolução. O exemplo mais marcante aconteceu no período pós-revolucionário, quando as “meninas de África” trouxeram uma nova mentalidade. Na altura, as raparigas não usavam mini-saia, nem iam para os cantos da escola para fumar. Mas quando os “retornados” voltaram para a metrópole, trouxeram todas essas novidades – “as miúdas tinham um espírito mais moderno do que as de cá. Foi um choque!”. Antes da revolução, as meninas usavam a farda obrigatória composta por bata preta e cinto vermelho, as cores da cidade. A seguir tornaram-se mais ousadas. Lucinda Freitas tentou durante quatro anos entrar nos quadros da escola tomarense. Antes, logo aos 11 anos de idade, ainda mal tinha completado a quarta classe, teve que se dedicar aos trabalhos do campo, para ajudar os pais na criação dos seis irmãos. “Não tive infância. Não me lembro de ter tido bonecas. Aliás, a primeira boneca que a minha mãe me deu, foi quando fiz 50 anos”. Na sua tentativa para conseguir o lugar, lembrou-se de escrever e fazer o pedido à mulher do Presidente da República da época, Américo Tomás. “Escrevi à D. Gertrudes e ela respondeu. Sabe como é? Na altura só se conseguia entrar na função pública com uma cunha”. A ajuda não surtiu logo efeito. Só mais tarde, quando o então reitor da escola leu as cartas, é que Lucinda conseguiu o que há muito esperava – entrar nos quadros do liceu.Estava-se no tempo pós-revolução do 25 de Abril. As liberdades até então reprimidas, foram reclamadas pelos jovens. Lucinda recorda o tempo em que a polícia militar aparecia diariamente na escola (na altura a funcionar em pavilhões pré-fabricados situados na Várzea Grande) para impor a autoridade aos alunos que pertenciam à Frente Revolucionária dos Estudantes Proletários (FREP). A “contínua”, como antes era designada a profissão, assistiu também às rivalidades que opunham os alunos da sua escola aos do Colégio Nun’Álvares. Sempre que havia um desentendimento, os estudantes agrupavam-se em frente ao antigo liceu (situado junto à Rotunda Alves Redol) e esgrimiam virtudes das duas escolas.Seguiu-se a inauguração das novas instalações do Liceu, transferido para a zona nova da cidade, onde permanece até hoje. “Aprendemos a tratar da escola como se fosse a nossa casa”, descreve. As salas eram diariamente enceradas, os corredores limpos e as casas-de-banho lavadas. Chegava a existir também competição entre as funcionárias. A escola é composta por quatro pavilhões e cada uma das responsáveis tentava apresentar o seu espaço na melhor forma, para inveja das colegas. Lucinda lembra com orgulho uma visita de inspectores (a seguir a uma explosão de gás numa escola do Cartaxo), que não terão poupado elogios às funcionárias e corpo dirigente pelas boas condições do estabelecimento de ensino tomarense. Mas de todo o trabalho, Lucinda Freitas elege a relação com os miúdos como o mais importante do dia-a-dia de uma auxiliar de educação. São muitos os jovens que recorda, quase todos já homens e mulheres feitos. E lembra alguns momentos de emoção. “Houve uma época em que emigrou muita gente que deixava os filhos com os avós. Muitos miúdos estavam na escola desde das 08h30 até às 18h30 e apoiavam-se em nós”. Há mesmo a história de um rapazito de Alvaiázere que a tratou como mãe. “Aquilo caiu-me com uma bomba”. Foi nessa altura que percebeu que a sua função não era só limpar – “os alunos precisam de nós”.Os tempos mudaram e Lucinda mudou com eles (hoje anda a aprender a trabalhar com os computadores). Afirma que aprendeu muito ao longo dos últimos trinta anos e que continua a fazê-lo sempre que pode. Actualmente queixa-se da falta de funcionários na sua escola. Quatro estão de baixa médica e não foram substituídos. Mas tem a certeza que não queria ter sido outra coisa na vida - “Nós somos auxiliares, mas também somos educadores”.
Lucinda Freitas é auxiliar de acção educativa há três décadas

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