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A voz africana de uma portuguesa chamada Orlanda Guilande que faz questão de cantar o Mundo

Passou a infância e a adolescência em Santarém e foi naquela cidade que se fez universalista

Tem uma voz que nos remete para África mas é portuguesa e sente o fado escorrer-lhe da garganta mesmo quando canta Jazz, Soul ou Gospel. Orlanda Guilande considera-se uma “esponja” que absorve todas as culturas do Mundo.

Na escola os colegas pediam-lhe para cantar. Orlanda Guilande era um autêntico leitor de mp3 humano numa altura em que o ipod ainda não existia. Sabia todas as canções de cor e salteado. As da moda e as antigas. Os professores preferiam que ela utilizasse toda aquela memória para armazenar mais informação relativa à matéria constante dos programas. E que usasse a bonita voz para cantar as respostas às perguntas que lhe faziam nas aulas. Ela tinha outras ideias sobre o rumo a dar à sua vida. Estávamos no final dos anos oitenta e ela vivia em Santarém com a família. Agora, sentada num banco corrido da igreja da Graça, depois de uma actuação com o seu grupo de Gospel, a cantora sorri quando recorda esses tempos. “Andei na Ginestal Machado até ao 8º ano e depois passei para o liceu Sá da Bandeira. Era uma aluna média mas com muitas possibilidades. Era assim que os professores me catalogavam. Uma calona é o que eu era. Uma preguiçosa que detestava matemática e desporto, mas que adorava música”.E lá foi a jovem à procura do seu caminho. Primeiro em Santarém com um grupo que cantava músicas conhecidas, de bar em bar e de festa em festa, que tinha o nome de um famoso programa de rádio da autoria de Herman José. Os Rebéubéu Pardais ao Ninho foram voando pela região até Orlanda decidir partir para Lisboa. Foi o começo de um percurso artístico que passou por uma final do Chuva de Estrelas, coros e percussões no grupo de Sara Tavares, cantora nos Blackout, Funky Messengers e Shout. “Senti que tinha que sair. Se ficasse, acabaria por casar, ter filhos e abandonar a música, porque em Santarém não havia hipótese de fazer uma carreira musical”. Apesar de ter sido obrigada a partir tem excelentes recordações da cidade e volta sempre que pode. Para ver o pai, o irmão, a irmã, mas também para rever amigos, “excelentes amigos. Daqueles de pedra e cal”, como gosta de dizer. O pai de Orlanda Guilande é moçambicano. Quando ela era pequena trabalhava em barcos de cruzeiros. “Passava muito tempo longe da família. Da minha mãe e dos meus irmãos. Às vezes estava mais de um ano sem poder vir a casa. Nunca teve tempo nem se preocupou muito em transmitir-nos algo da sua cultura africana. Ele é natural de Inhambane, a terra da boa gente. O dialecto da família dele era o Ronga. Mas isto tudo eu aprendi mais tarde quando fui com a Sara Tavares cantar a Moçambique”, conta Orlanda.Foi com a mãe, já falecida, que a menina cresceu e aprendeu a ouvir música. “Fui habituada a ouvir ópera, fado, música popular brasileira. Uma infinidade de coisas. Música antiga portuguesa. Há músicas antigas dos anos 40, 50 que a maioria das pessoas da minha idade não conhecem. Quando somos crianças sugamos tudo como esponjas. E eu absorvia aquilo. Músicas de filmes antigos. Tudo”. A “esponja” ainda não está saturada. “Continuo a procurar conhecer novos tipos de música. Novas pessoas. Novos mundos. Novos sons. E a reuni-los todos”, confessa. É por isso que aparece ligada a projectos nas áreas do Funky, Soul, Afro, Jazz, World Music. “Ainda há pouco tempo fui convidada para cantar dois fados. Tive o cuidado de dizer aos guitarristas que não era fadista. No final eles disseram que eu os tinha enganado muito bem”. Orlanda Guilande tem um projecto a solo que está a desenvolver em conjunto com um grupo de amigos que são a sua segunda família e que também desenvolvem projectos pessoais, como Theo Pas’cal e Carmen Souza. Com eles tem um grupo de Gospel. “Gospel Choir”. Cantam em igrejas a palavra de Deus. São solicitados para festivais, concertos e para casamentos e outras cerimónias religiosas. Se lhe perguntam se não anda perdida no meio de um tão grande “caldo” musical diz que não. “Tenho África no sangue, na cor da pele e no timbre da minha voz, mas não penso como africana. A minha cultura é portuguesa. As minhas raízes são portuguesas. De Santarém. Mas a par disso sinto-me cidadã do Mundo. A minha alma está impregnada de muitas outras culturas. Na minha música há sonoridades indianas, chinesas, africanas… É fácil compreender porque escolheu o nome “Voz da Humanidade” para o seu primeiro trabalho. Quanto ao sonho de um dia ser uma super-estrela e ter discos nos topes de vendas diz que não é isso que a motiva. “Desejos desses são coisas de adolescência. Para mim não é importante. O importante é continuar a fazer música. Continuar a utilizar da melhor maneira o dom que tenho, para transmitir o que está dentro de mim. Continuar a louvar Deus e a procurar caminhos para que a minha vida tenha sentido. Temos que pensar que há algo mais para além da rotina do dia-a-dia”.

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