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O estudante tímido que usava barba e cabelo comprido

José Raposo e as memórias da escola em África e na “metrópole”

O actor José Raposo, um menino tímido nos tempos de escola, ia almoçar a casa da professora em Angola. Quando o pai trabalhava na companhia de diamantes. Em Portugal morou na “outra banda”. Vestia-se à hippie, ia a pé para a escola e quando os pais não estavam em casa transformava a varanda numa capoeira.

Os primeiros anos de escola foram passados em Angola.Sim. Até ao primeiro ano do antigo ciclo. Nasci no Dudu, no interior de Angola. O meu pai foi trabalhar para a Diamangue que era a Companhia de Diamantes e eu e o meu irmão nascemos lá. Recorda-se do primeiro dia de escola?Tenho uma memória péssima, o que é estranho para um actor. Mas tenho algumas referências do Colégio do Menino Jesus, uma das muitas escolas por onde passei, porque estávamos em plena Luanda nos finais dos anos 60. Tinha uma ligação muito forte à professora e directora do colégio: a professora Bela. Lembro-me que almoçava e jantava muitas vezes em casa dela com a família. Como é que se deu a aproximação entre os dois?Os meus pais tinham essa necessidade porque trabalhavam em horários que não lhes permitiam, por exemplo, estar comigo à hora de almoço. Havia essa possibilidade da directora da escola me ter lá com os filhos dela. No fundo era um favor que faziam. E claro que se gerou uma empatia entre os meus pais e ela e os filhos. Aprendeu coisas para toda a vida…Sim, claro que sim. Em relação a valores e princípios. Era uma pessoa com uma formação cívica muito boa. Normalmente as pessoas dizem que tiveram professores fantásticos. De filosofia… Ou chinês… Mas sinceramente não tenho essa experiência. Talvez porque andei sempre a saltar …O sistema de Angola era muito diferente?O que era diferente era a sociedade africana, como toda a gente sabe. Aquilo era tudo muito mais liberal e havia outra disponibilidade. Claro que também havia mais dinheiro… (risos). A convivência era diferente. E isso reflecte-se em tudo. Era rapaz para cometer algum tipo de travessuras?Não… Eu sempre fui muito tímido. As pessoas pensam que não, porque sou um comediante. Depois, claro, com a idade e com a actividade profissional desenvolvi outro tipo de atitude. Na escola havia direito a reguadas?A tal professora Bela tinha uma régua com uma grossura de uns bons dois centímetros com buracos na ponta e lembro-me muito bem que fazia da reguada uma atitude perfeitamente normal quando havia algum castigo. Uma cópia mal feita, por exemplo… Isso marcou-me muito. Marcou a mão e marcou a cabeça… Traumatizou-o?Não é uma questão de trauma. Como é uma atitude forte acho que fica para sempre. Hoje criticam-se muito as reguadas, magoavam-se as crianças, mas acho que é tudo relativo. Não estou a falar de violência física, mas se calhar certos pequenos castigos teriam a sua razão de ser. Fico revoltado quando ouço falar de casos de miúdos que batem em professores. Há aqui qualquer coisa que está muito mal. Nem oito, nem oitenta.Cábulas?Claro que sim! Quem é que não usa cábulas. Eu era mais do género “marrão”. Na véspera marrava muito para os testes e depois do ponto apagava tudo da memória.Ainda se lembra do café dos matraquilhos onde costumava gastar o dinheiro?Sim, matraquilhos. Muito matraquilhos. Nos intervalos das aulas… Eu ainda sou do tempo das brincadeiras com os peões. Sem muitas coisas tecnológicas. Ainda continuo assim. Muito retrógrado e muito antigo. Não sei ligar um botão. No fundo já devia estar na casa do artista…Algum bilhetinho lido em voz alta pela professora frente à turma?Esse número nunca experimentei. Mas no Pragal, no 10º e no 11º ano, lembro-me que quando apareceu a onda do rock, os UHF, aquela malta juntava-se no centro de Almada. Na altura do John Travolta. Lembro-me que era anti-beto e “freaks”. Não era uma coisa nem outra. Tinha o cabelo comprido e barba. Chamavam-me o profeta. O moço que tinha a mania que era hippie… Como ia para a escola?Andava cinco ou seis quilómetros todos os dias da Cruz de Pau até ao Seixal a pé porque queria. Felizmente não era por necessidades financeiras. Juntava-me com os meus colegas. E na altura não era esta loucura que é a outra banda. Havia muitos montes e vales. Terrenos baldios por onde nós curtíamos. Fazíamos aquele percurso muito bem dispostos. Era um jovem pacato…Houve uma fase em que os meus pais foram a Angola e que eu fiquei cá sozinho. Foi já na última fase do curso unificado. Tenho histórias incríveis. Fiquei sozinho na casa dos meus pais e levava lá colegas. Tinha a roupa toda na cozinha e os pratos na casa de banho. Isso aí foi uma grande vergonha para a família (risos). Uma capoeira na varanda. Tinha pintos que ficaram galinhas…

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