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A dactilógrafa dos discursos de Sá Carneiro

Estava em Évora quando se deu o 25 de Abril.Era a única pessoa eufórica naquela companhia de seguros. Tudo tinha um certo medo. Tinha uma grande admiração por Sá Carneiro. Na “Rank Xerox”, já aí, o secretário dele mandava os discursos e eu, sem saber, passava à máquina os manuscritos do Sá Carneiro para difundir. Quando ele fez a entrevista na Rádio Renascença a 27 de Abril eu estava em Évora, pedi uma ligação para Lisboa e disse-lhe: “Conheço o seu pensamento, não o conheço pessoalmente. Eu quero trabalhar no partido que o senhor for fundar”. E assim foi.E depois?Depois vim à sede do Largo do Rato preencher a ficha. Conheci Conceição Monteiro e Marcelo Rebelo de Sousa. Um miúdo ainda, com uma barba enorme. Inscrevi-me no partido. Não sabia quem era do PPD (Partido Popular Democrático / Partido Social-Democrata) em Évora. Foi uma das fundadoras do PSD de Évora?Eu icei a bandeira na sede do PPD, onde ainda hoje funciona em Évora. O PPD saiu da clandestinidade nessa altura. Mas eu já andava distribuindo papéis. A Conceição Monteiro mandava-os para Évora. A Companhia de Seguros era ao lado da estação de camionagem. Eu ia buscar os documentos à camioneta. Tinha muito tempo disponível porque o meu marido não estava durante a semana e eu podia estar até às tantas a trabalhar para o partido, fora de horas. Sá Carneiro inspirou-a?Foi uma pessoa que me marcou. Pela sua dignidade, por aquilo que ele queria para o país. Por aquilo que ele sonhava. E era uma forma diferente de fazer política. Com coração, com devoção, com ideais. Com objectivos muito concretos e muito pragmáticos. Mas também com uma grande emoção. Era uma ligação que ultrapassava a questão meramente partidária?Fui eu quem ensinou a secretária dele, Conceição Monteiro, a escrever à máquina. Em 1975 volto para Lisboa, para a companhia de seguros. Então saía do emprego directamente para a Duque de Loulé. Era quando a secretária tinha um pouco de folga porque eu a substituía. A minha ligação com Sá Carneiro foi sempre muito chegada. De tal forma que eu ia sempre nas listas para o conselho nacional. Tinha por ele uma grande admiração intelectual. À primeira vista Sá Carneiro parecia uma pessoa antipática. Mas era uma pessoa fascinante. A forma de prever o que poderia acontecer. A forma de analisar, a argúcia, uma capacidade que eu nunca mais encontrei em ninguém. Em nenhum líder político?Em nenhum líder político. Talvez o Marcelo [Rebelo de Sousa] de outra forma. Não há ninguém igual. Eu combati Francisco Balsemão após a morte de Sá Carneiro. Era mais nova. É das maiores injustiças que se podem pedir. A um líder que sucede outro muito forte. Porque não há pessoas iguais. Mas há pessoas excepcionais. Sá Carneiro era uma pessoa excepcional. E isso só aparece muito de vez em quando.Como viveu o caso “Camarate”?Eu estive sempre nas lutas pela verdade de Camarate. Sempre. Faço parte do grupo que sempre achou que foi um assassinato. Não para Sá Carneiro, mas para Amaro da Costa. Entretanto o processo prescreveu…É das coisas que mais me custa. É um país de cobardes que não souberam agarrar as coisas. Não sei que coisas tão grandes se movem para que a verdade nunca mais venha a ser descoberta. Essa é uma das minhas mágoas. Um dia poder morrer e não saber. Outra é poder andar a apertar a mão a alguém que as tenha sujas de sangue. Porque é que a política está tão desprestigiada?A política é o retrato daquilo que somos como portugueses. Em todas as profissões há pessoas boas e más. Só que não são expostas. Quem teve o privilégio de logo após o 25 de Abril percorrer o país percebe o que mudou. Há terras pelo país fora que estão uma maravilha. Com uma qualidade de vida extraordinária e que dantes eram uma desgraça.

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