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“A Igreja nunca foi contra o sexo”

“A Igreja nunca foi contra o sexo”

Reverendo cónego João Canilho assinala 50 anos de sacerdócio

O reverendo cónego João Canilho, pároco de Azambuja, assinala 50 anos de sacerdócio. Meio século atento ao homem concreto. De luta por valores eternos. Fala abertamente da questão da sexualidade, do celibato e da falta de referências do mundo consumista. Mais do que erguer obra interessa-lhe construir comunidade.

É beirão, mas aos 12 anos veio para o Seminário de Santarém.A única hipótese que tinha para continuar a estudar era Castelo Branco. Era o liceu mais próximo. Éramos uma família remediada. O meu pai era carpinteiro. A minha mãe doméstica. E tinham a sua vida nos campos. Vim através de um amigo do pai. Conhecia alguém no seminário de Santarém e encaminhou-me para aqui.Já sentia o apelo religioso?É difícil dizer que tinha já vocação. É evidente que ao viver numa família cristã tinha uma certa abertura para responder ao chamamento de Deus. Mas é a própria vida e reflexão que nos vai ajudando a descobrir o caminho. Era uma vida muito diferente daquela a que estava habituado.Era uma vida de internato. É alguma coisa que muda radicalmente a vida que tinha na aldeia com os amigos brincando e saltando sem grandes compromissos. Não havia responsabilidades concretas. O internato obrigou-me a adaptar-me a todo um novo estilo que neste momento só tenho que agradecer. A educação também passa por aí. Todo um enquadramento que ajuda a pessoa a adquirir hábitos e sentido de responsabilidade. E que hoje falta bastante.Está a falar da disciplina.Hoje não há disciplina. As nossas crianças são criadas um pouco à margem disso. Temos uma liberdade demasiada. Os pais creio que abdicaram um pouco desse sentido, dessa missão de ajudar os filhos a assumir a sua própria responsabilidade diante da vida.As pessoas andam muito ocupadas nas suas vidas.Também é uma das desculpas que se arranjam. Que os pais têm que trabalhar e os filhos ficam entregues às vezes a eles próprios ou a instituições. Mas isso não lhes retira a responsabilidade. Não podem abdicar da missão de orientar os filhos. As crianças perderam por completo o sentido da exigência, da obrigação. Pensa-se muito nos direitos e esquecemos que ao direito está sempre inerente uma obrigação. Hoje a vida está demasiado centrada na própria pessoa. Viver é estar com outros. É estabelecer relação com os outros. Quando o Homem perde uma certa consciência de que depende de alguém que o transcende, depende de Deus, depois não é capaz de encontrar um equilíbrio na relação com os outros. Debate-se muito com a depressão e angústia na sua comunidade?As pessoas andam angustiadas e andam à procura de uma resposta e acabam por ir para o psiquiatra e para o psicólogo. Perdeu-se consciência da pessoa que não é só um ser dependente das coisas materiais, do mundo dos bens, mas que tem um espírito e uma alma. Aquilo que marca mais a vida das pessoas é a preocupação do ter do que ser. Isso tem consequências a todos os níveis da vida. Faz com que as pessoas lutem para ter isso nas suas vidas. E acaba por lhes faltar tempo para eles próprios. Para pensar e entrar em si mesmos. Olhar a vida de outra maneira com outros valores. A sociedade mudou muito nos últimos 50 anos…Sim. Houve todo um esforço para me situar em cada momento. Não foi fácil estar atento ao Homem concreto. Porque é que a Igreja continua agarrada a ideias antigas. Aceitar o preservativo não seria uma forma de conquistar mais gente?Há valores que são eternos. Não podem estar sujeitos à mudança circunstancial. O problema da sexualidade é um problema de formação. A Igreja nunca foi contra o sexo. O sexo não é mau. Tudo depende é da maneira como esse bem é utilizado para a realização plena da pessoa. Se encararmos o sexo como um bem a usufruir para proveito próprio perde toda a dignidade. É uma questão de sentido de responsabilidade. Como sabemos neste mundo do gozo e do prazer a pessoa põe-se no centro de tudo. Este é mais um bem a consumir como tantos outros. E a finalidade não é só essa. Até que ponto a pessoa se sente inteiramente realizada quando entra por esse caminho?Apesar de evitar a propagação de doenças…E será que esses meios evitam isso? A Sida deixou de aumentar porque se usa mais preservativos? Até tecnicamente sabemos que não é assim. No fundo o uso desse valor que está na natureza humana tem sempre em conta o outro. Temos que olhar estes como valores essenciais à realização da personalidade humana. Como acompanhou a questão do aborto?Não foi solução nenhuma. O que está aqui em causa é o valor primeiro que é a vida. A primeira responsabilidade é proteger a vida. A vida na totalidade. Na sua origem. Até ao fim. Parece que uma das grandes bandeiras hoje é mostrar que fazem tantos abortos. As pessoas podem ir aos hospitais e centros de saúde e até são ajudados economicamente. E ao mesmo tempo fecham-se os centros de saúde e as crianças andam a nascer nas ambulâncias. A vida não é protegida. Como vive com a questão de celibato?Criam mais problemas os que estão de fora que os que estão de dentro. Não fui obrigado a optar por esta vida. Tenho plena consciência daquilo que sou como homem. Podia perfeitamente constituir uma família. Mas sou livre em poder dispor de um bem que é meu em favor de outros que julgo maiores. As pessoas andam a lutar por um direito que não lhes diz respeito: ‘Coitados daqueles desgraçados a quem foi retirado o direito de casar’.... Sabia o que ia escolher quando fiz esta opção. Como tanta outra gente na vida...
“A Igreja nunca foi contra o sexo”

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