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“Quis desistir da música, mas o meu pai não deixou”

Paulo Gaspar, clarinetista que já tocou com Sérgio Godinho e Jorge Palma

Viveu num bairro problemático de Azambuja, quis desistir de aprender música por causa do solfejo, mas o pai obrigou-o porque tinha prometido ao avô. Hoje é clarinetista dos Dixiegang e já tocou ao lado de Jorge Palma e Sérgio Godinho.

Paulo Gaspar vivia no bairro do Alto da Torre, em Azambuja, onde se forjaram os rapazes rebeldes da vila, quando o pai decidiu levá-lo a aprender música. Aos oito anos. Detestou o solfejo e só não desistiu porque o pai tinha feito a promessa ao avô de que um dos netos haveria de ser músico. O clarinetista profissional dos Dixiegang, um conceituado grupo de jazz - que aprendeu a tocar na escola do Centro Cultural Azambujense - tem feito uma carreira musical a pulso e já tocou ao lado de Sérgio Godinho e Jorge Palma. A improvisação jazzística que impõe ao instrumento que o apaixonou é o ritmo que dá também aos seus dias. “Quando comecei nunca imaginei que um dia ia estar em palco com Jorge Palma ou tocar com Xutos & Pontapés que é uma banda que começou quando era miúdo”, diz sem sombra de vaidade como se não acreditasse nos méritos que tem alcançado. “Os meus amigos achavam que eu tinha jeito e podia pensar em estudar música a sério. Eu achava sempre que não era possível. As coisas foram-me acontecendo na vida e eu achava sempre que não estava a ser verdade”.As notas decoradas e cantadas no solfejo na velha sede do Centro Cultural Azambujense assustaram o jovem que costumava ajudar o pai na agricultura. Mas quando recebeu o instrumento tudo mudou. A magia de tocar materializou-se. “O meu pai estipulava-me trabalho no campo para o dia. Se conseguisse fazer o trabalho ía ao ensaio. O meu irmão que tinha asma ajudava-me”, confidencia.A infância foi turbulenta. Antes de integrar o “gang” de jazz integrou o gang da terra. Juntou-se ao ‘Tó Pardal’, um dos rapazes que levou um tiro de um cigano, líder dos miúdos de rua que vinham do Alto da Torre. “Há aquela máxima de que se não podes vencê-los junta-te a eles… Sentia-me protegido. Fazia parte do gang por medo”, diz em jeito de justificação. Roubaram laranjas, atormentavam as velhinhas e as miúdas na escola. Um dos amigos de criança com quem conviveu no bairro morreu de overdose. “Mais tarde muitos desses rapazes vieram a ter problemas com drogas. Houve várias prisões. Se não existisse a banda a probabilidade de continuar com eles era maior”, admite. Paulo Gaspar acredita que de certa forma a música foi a sua tábua de salvação.O seu ritmo noctívago ainda lhe deixa tempo para a família. Para os dois filhos. O mais velho, de seis anos, já segue os passos do pai na mesma escola que preparou Paulo Gaspar. Os métodos de ensino são diferentes. Baseados num pedagogo holandês. “A tal ponto que por vezes digo ‘se não fazes o que te digo não vais à aula do Zé Luís’”.Gravou discos com Sérgio Godinho, Vitorino, Jorge Palma e integrou o espectáculo dos artistas unidos com o músico e Lia Gama com textos e canções de Kurt Weill e Bertolt Brecht. Uma peça encenada por Jorge Silva Melo que fez digressão nacional.Já esteve no fosso de orquestra a participar em óperas, mas prefere o palco. A interacção com o público. “Acho que isso é que me leva a gostar mais do jazz e da música ligeira. Provocar reacções nas pessoas é uma coisa muito forte. Com os Dixiegang acontece isso. As pessoas reagem. A dançar por exemplo”. Paulo Gaspar nunca esquecerá o dia em que subiu ao palco do S. Carlos. “Toquei uma peça a solo com a Companhia Nacional de bailado. Eles a dançarem ao som do instrumento. Foi muito forte”, garante.

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