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“Os escritores não têm pudor em falar de si através dos livros”

“Os escritores não têm pudor em falar de si através dos livros”

Lídia Jorge partilhou livros e opiniões em Alverca

As angústias, os desejos e os medos dos escritores são partilhados nas páginas dos livros. Lídia Jorge, a autora de “O vento assobiando nas gruas”, foi a Alverca falar das matérias dos livros e dos escritores que escrevem o que não dizem em voz alta.

“Qualquer pessoa, desde que saiba ler e escrever, pode escrever uma história”. Foi desta forma que a escritora Lídia Jorge iniciou, sábado, dia 24 de Novembro, o seu colóquio no auditório da Biblioteca Municipal de Alverca. A direcção da biblioteca tenta promover, duas vezes por mês, conversas com personalidades portuguesas conhecidas como forma de desenvolver actividades culturais no concelho de Vila Franca de Xira.Para a escritora a diferença entre o cidadão comum e os escritores é que estes não têm pudor em falar de si próprios através dos livros. “Colocamos nos livros aquilo que normalmente não dizemos em volta alta. Os nossos medos, as nossas angústias, as nossas decepções, os nossos desejos interiores. É isso que faz a matéria de um livro”, explicou. Durante duas horas a escritora de romances como “O Dia dos Prodígios” e “O Cais das Merendas”, falou, trocou opiniões e experiências, de forma humilde e apaixonada, com uma plateia atenta e seduzida pelas suas palavras sobre os seus livros e todo o processo de construção de um romance e de um personagem. “As histórias dos meus livros não nascem de uma ideia, mas sim de um personagem. O personagem vem ter comigo e tento perceber o que ele me quer transmitir. Pode ser um processo muito longo até descobrir quem é aquele personagem e o que ele quer dizer-me”, explica. Segundo Lídia Jorge, os escritores criam diferentes personagens com diversos tipos de carácter uma vez que assim conseguem viajar através de diferentes personalidades. A escritora garante que quem aprende e gosta de escrever aprende a exteriorizar aquilo que são os sentimentos interiores e o que se pensa do mundo. “Como aprendemos desde muito cedo a não subjugarmos os nossos pensamentos, sonhos e desejos, temos muita dificuldade em calarmo-nos e perdemos o pudor face às conveniências”, afirmou a escritora. O facto dos escritores de ficção colocarem os seus personagens na terceira pessoa do singular tem, para Lídia Jorge, uma razão de ser. Cada personagem tem ideias diferentes entre si o que permite aos escritores falarem através de todos os personagens que criam numa única história. O escritor consegue assim descentralizar-se da sua própria opinião. Para a escritora existem diferenças entre um leitor e uma pessoa que não temo hábito de ler que se notam, sobretudo, ao nível do comportamento. “O leitor aprende a ser outro, aprende a entrar dentro da interioridade de outras personalidades. No fundo, aprende a respeitar a personalidade do outro escutando e ouvindo as diferentes histórias e aprende ainda a contrapor a sua própria história ao outro. Há uma espécie de envolvimento sensual”, afirma. Aposentada há pouco tempo a escritora confessou a O MIRANTE que foi muito complicado conciliar a vida familiar e profissional com a escrita. “A organização era fundamental. Escrevia nos tempos livres que tinha, que eram muito poucos. Mas a paixão pela escrita era mais forte e, dessa forma, tudo se tornou um pouco mais fácil”. Nesta nova fase da sua vida ainda não sabe bem o que é ter o tempo todo para escrever. “Ainda me estou a adaptar a esta situação”, confessou. Apaixonada pela escrita desde pequena, quando lia histórias para a família e escrevia romances onde os finais tinham que ser obrigatoriamente felizes, Lídia Jorge salienta que tem bons amigos, muitos deles escritores, e realça o respeito existente entre muitos dos escritores da sua geração. “Lemo-nos uns aos outros, cruzamos livros, assistimos aos lançamentos uns dos outros e, muitas vezes, apresentamos livros uns dos outros. Esse respeito é fundamental”, refere. A escritora fez ainda questão de referir a importância da família e da escola na introdução do gosto da leitura nas crianças.
“Os escritores não têm pudor em falar de si através dos livros”

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