Só estranha a nobreza de carácter das duas irmãs quem não conheceu o seu pai, “um homem com H grande”, como dizem as gentes da terra. António Silva Leitão nasceu em Nisa e tirou o curso de professor primário. Viajou por muitos sítios à procura do melhor local para dar aulas até se instalar na Bemposta. “Uma terra com uma ribeira e uma estação de caminho-de-ferro é uma terra de futuro”, terá pensado. Namorou com Joaquina Lisardo, uma filha da terra com quem acabaria por casar, indo viver para o espaço onde hoje funciona a biblioteca. No primeiro andar era a casa de família, no rés-do-chão uma loja e armazém onde tudo se vendia, desde mercearia a tecidos.António Silva Leitão era um homem nobre de espírito e horizontes largos, que dava aulas às meninas numa altura em que o acesso à educação ainda lhes era vedado. “As meninas só faltavam às aulas no dia em que vinha a inspecção”, conta com um sorriso nos lábios Maria Antonieta Simão, gestora de negócios da família. Como a escola da aldeia funcionava num velho barracão, António Silva Leitão resolveu a questão, ampliando a sua própria casa para acolher a nova sala de aulas.Foi no seio desta nobreza de espírito que nasceram e cresceram Ilda (falecida há dois anos) e Julieta Leitão, que “beberam” todos os ensinamentos do pai. Quando se tornaram adultas foram estudar para Lisboa. Ilda, que nunca casou, foi chefe de serviço no arquivo de identificação de Lisboa. Julieta licenciou-se em germânicas e casou tarde com o escritor Virgílio Couto, já falecido. Aos 97 anos possui ainda uma lucidez e capacidade mental extraordinária.A amputação de uma perna, por causa de um acidente de viação, criou-lhe problemas de mobilidade e só por isso não esteve sábado na Bemposta, para olhar a obra que ajudou a erguer. Mas mandou um recado, pela mão de Maria Antonieta Simão. “Diz lá ao povo que tenho muito gosto na nova casa, que é um sonho antigo. Só peço que a terra mereça a biblioteca que tem, que lá vá e beneficie de tudo o que lá existe”.