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Um mestre sem aprendizes

Um mestre sem aprendizes

Manuel da Pomba é o último latoeiro do concelho de Mação

A actividade que fez durante toda a sua vida hoje caiu em desuso e é desconhecida pelas novas gerações.

Foi na sua oficina, situada na actual Rua Padre António Pereira Figueiredo, que há 50 anos o então aprendiz Manuel da Pomba, 66 anos, aprendeu a ser mestre latoeiro. Foi com apenas treze anos que começou a lidar com a única actividade profissional que exerceu na vida: a latoaria. Hoje é o único profissional do ofício de Mação e é com alguma nostalgia que vê em risco aquela que em tempos foi uma das actividades mais características do concelho. Natural de uma aldeia situada a quatro quilómetros de Mação, foi ainda em criança que começou a mexer nas matérias-primas que dariam lugar a variados objectos então muito utilizados pelas gentes da sua terra, que viviam de actividades como a produção de azeite, de mel, de queijos, de enchidos e resina. “Antigamente não havia quem não vivesse da agricultura o que já não acontece nos nossos dias e portanto as coisas vão desaparecendo”, conta-nos com alguma nostalgia. Um contexto socio-económico que implicava a utilização de inúmeros utensílios produzidos pelas oficinas de latoaria. A transmissão da técnica latoeira era feita ou de pais para filhos ou, como no caso de Manuel da Pomba, por alguém que lhe era próximo. Um conhecido terá incutido o gosto ao jovem aprendiz que começou a mexer e a sentir a folha de zinco ou folha de flandres, as matérias-primas utilizadas pelos mestres, e assim fazer nascer uma vasta gama de utensílios de enorme uso na terra. “Os materiais já não são os mesmos. Ainda há pouco tempo pedi folha de zinco a um armazém para fazer achinchos e disseram-me que não têm”, afirma.Não havia casa de maçaense em que não existissem braseiras, algerozes, almotolias, candeias, potes entre tantos outros utensílios de utilidade diária. Hoje, Manuel da Pomba explica que pouco faz, não porque tenha perdido o gosto ou a técnica mas porque os tempos o atraiçoaram. A maioria dos utensílios que fabricava são hoje produzidos em plástico e noutros materiais que não a arcaica ‘chapa’. Aos 16 anos iniciou a actividade e até hoje não conheceu outra. As incontáveis horas que passou na sua oficina a cortar e dobrar folhas de zinco ou latão não foram fáceis mas admite que tinham o seu lado compensador que era o de ser conhecido e referência no concelho. “Usava a calandra para tornear os materiais e um maço de pau para amolar a chapa. Era a noite ao pé do dia”, explica o mestre referindo-se aos métodos de trabalho e ferramentas utilizados quando a realidade era outra. Manuel da Pomba explica que as matérias-primas utilizadas e transformadas eram a folha-de-flandres, mais maleável e utilizada para objectos de uso doméstico aprimorados também pelo brilho do material e que careciam de uma maior perfeição e detalhe (o caso das candeias, lanternas, almotolias e tabuleiros), a chapa zincada para a produção de objectos de exterior e para uma utilização mais agressiva como as ferramentas de horta (baldes, algerozes, regadores). Mais recentemente, apareceu a folha de alumínio, também utilizada pelo mestre. Apesar da idade, Manuel da Pomba ainda hoje molda as suas matérias-primas com destreza e facilidade tal que quem o vê pensa tratar-se de uma arte simples. Truques e sabedoria absorvidos em décadas de trabalho. Prova disso é que não existem mais pessoas que sigam as suas passadas e hoje aquela que foi uma profissão comum é uma arte digna de museu. Mesmo assim o artesão admite que ainda haja, embora muito raramente, quem o procure para que produza um pote ou uma candeia, quanto mais não seja para decorações inspiradas na arte latoeira do mestre sem aprendizes no século XXI.
Um mestre sem aprendizes

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