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Um dos últimos mestres sapateiros de Vila Franca

Um dos últimos mestres sapateiros de Vila Franca

António Correia foi homenageado pela câmara e por um grupo de amigos

Começou a guardar cabras no campo até decidir que queria seguir os passos do pai e aproveitar o material que recebeu de herança. António Correia é um dos últimos mestres sapateiros de Vila Franca de Xira.

A pequena oficina de António Correia, na rua direita, em Vila Franca de Xira, está repleta de calçado. Trabalho não lhe falta. Botas a precisar de capas novas, sapatos de senhora sem sola ou sapatos de homem por engraxar. António Correia, 75 anos, sapateiro há mais de 50 anos na cidade, é um dos últimos cinco mestres da arte ainda no activo em Vila Franca de Xira. A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira associou-se a um grupo de amigos do sapateiro para homenagear a dedicação a um ofício em vias de extinção numa sessão informal que decorreu na tarde de quinta-feira, 31 de Janeiro.Ninguém quer pegar no ofício. À porta da oficina há um letreiro com indicação de trespasse. Já lá vão cinco anos que o colocou e ainda não conseguiu encontrar ninguém interessado. Foi obrigado a pôr a loja à disposição quando foi acometido de problemas de saúde e chegou a fechar o espaço. Até que um dia estragou uns sapatos e foi para a loja consertá-los. “Apareceram tantos clientes nessa tarde que voltei a abrir para estar entretido enquanto não consigo ver-me livre do estabelecimento”, afirma.A oficina é pequena, mas tem o que é preciso para trabalhar. A máquina situada à entrada do lado esquerdo é uma verdadeira multi-funções. Lixa, conserta, coloca pomada e engraxa. À volta encontramos várias prateleiras com sapatos por arranjar e aqueles que estão à espera que os clientes os vão buscar. Nas paredes da oficina não faltam vários posters, calendários e lembranças do Benfica, seu clube do coração.António Correia começou a trabalhar muito novo. Aos 12 anos, depois de terminar a instrução primária, já pastava cabras no campo. Até que aos 22 anos decidiu seguir os passos do pai – que faleceu tinha António Correia sete anos – e tornar-se sapateiro. “Fiquei com as máquinas do meu pai e percebi que o investimento seria menor se optasse por esta profissão. Agarrei a oportunidade com unhas e dentes”, conta, recordando que o pai queria que tivesse sido capador de animais.O sapateiro aprendeu o ofício com um mestre de Atalaia, concelho de Alenquer, e no final do ano ainda tinha que lhe pagar por estar a aprender. Só algum tempo depois começou a receber uns trocos pelo ofício.Aos 45 anos tomou a decisão de trabalhar por conta própria. António Correia recorda que entrava ao serviço às cinco da manhã e só saía às nove da noite. “Eram tempos muito duros. Felizmente tinha muito trabalho, mas também tinha que dar vazão a todos os pedidos por isso ficava até tão tarde”, explica.O sapateiro recorda emocionado que começou a trabalhar no mês de Agosto, geralmente uma época com muito menos clientela que durante o resto do ano. Ainda se lembra de ter chegado a casa muito desanimado e ter chorado perante a mulher, Deonilde, por não conseguir amealhar mais que 20 contos. Começou a pensar desistir quando começou a facturar entre os 60 e 70 contos mensais.Juntar-se com os amigos nos bancos do jardim, andar de bicicleta e passear com a esposa são algumas das coisas que pretende fazer assim que trespassar a oficina. Sabe que vai sentir falta do trabalho e do contacto com os clientes mas sente-se cansado e quer aproveitar a última fase da sua vida.José Felizardo, amigo do sapateiro António Correia há mais de duas décadas, foi o mentor da homenagem a um dos últimos mestres da arte na cidade que dedicou uma vida inteira a uma profissão, muitas vezes extenuante. O amigo é também o autor de dois versos dedicados ao sapateiro natural de Alenquer: “Atencioso e conselheiro/ Horário cumpre e respeita/ Senhor António Sapateiro/simboliza a rua direita”.
Um dos últimos mestres sapateiros de Vila Franca

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