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Perfil inato de negociante

Deixou a Beira Alta aos 11 anos para ir trabalhar para uma herdade alentejana. Era um dos “caramelos” que descia do terreno sinuoso do centro do país até às paisagens a perder de vista. Aos 14 anos tornou-se gaibéu, na lezíria. A trabalhar na monda de arroz nos campos de Azambuja. “Eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam”, escreveu Alves Redol no romance que imortalizou a comunidade. Manuel de Almeida tornou-se um deles. A semear arroz. De saco pendurado às costas. Mas por pouco tempo. Aos 18 anos já negociava toneladas de batata e melão. Carregava a fruta na lezíria e montava banca volante em Sátão, Viseu, onde nasceu. Aos 66 anos Manuel de Almeida, pai de três filhos, pode orgulhar-se de possuir um pequeno império construí-do a pulso. É o proprietário do hotel “Gaibéu” em Azambuja, de uma rede de pastelarias em Vila Franca de Xira, uma quinta de organização de eventos e de alguns postos de combustíveis espalhados pelo país. Nem o negócio da indústria de táxis e da construção lhe escapou ao longo de uma vida. “O que está a dar agora é a compra e venda de terrenos”, desabafa. Aos 14 anos fingiu desmaiar no escritório dos patrões, no Alentejo, para ser perdoado por chamar “cara de bicho” ao feitor da quinta que andava de cavalo e fumava cigarros grandes. Aprendeu a negociar com um conterrâneo que mexia no negócio dos pinheiros. A medir árvores a olho, peso e comprimento. A valorizar o produto, a fazer negócio. Foi assim também no tempo da tropa em Angola. Vendia relógios e fardas dos americanos a 20 escudos. Sempre foi o líder da rapaziada, mas aproximava-se dos mais velhos para aprender. Foi comerciante em Angola até que uma rasteira da PIDE o fez voltar mais depressa a Portugal.O pai era negociante de gado, mas quase nada transmitiu ao descendente. Ser filho de pai incógnito custou-lhe a proibição de entrada no Seminário que à época era uma hipótese de futuro. A mãe, solteira, criou três filhos às suas custas. Era vendedora de peixe. Sardinha. Ia esperar as camionetas de madrugada para ir vender. “Trazia sempre ovos ou qualquer outra coisa para o almoço”, diz o filho com um orgulho profundo. Tinha o corpo franzino da Madre Teresa de Calcutá e viveu até aos 90 anos. Só não ficava mais tempo no Ribatejo com receio que a morte lhe espreitasse de repente. Recusava sempre dinheiro e Manuel de Almeida contava-lhe as moedas para garantir que não passava mal.Aos 70 anos, quando soube que a PIDE acusava o filho de homicídio, disse que o descendente no seu perfeito juízo nunca cometeria tal crime. E que Nossa Senhora de Fátima fosse a sua advogada de defesa. Assim foi e sem saber Manuel de Almeida nunca chegou a contratar um advogado. “A minha mãe sempre achou que tive sorte na vida como recompensa pelo que já tinha sofrido”.Manuel de Almeida sempre teve o hábito de entregar a jorna à mãe. Não gastava dinheiro tão pouco a mandar lavar a roupa. Preferia enganar as mulheres aparecendo na altura que começavam a trabalhar no rio. Lavavam-lhe tudo de graça só para o terem longe.É duro com os empregados. Oitenta no total. Ríspido no primeiro contacto. Nada é inocente até prova em contrário. Mas quando a confiança se estabelece vem ao de cima na sua plenitude o menino gaibéu.

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