uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
A voz de um jornalista romântico

A voz de um jornalista romântico

José Carlos Vasconcelos critica os que trabalham para a pose

É uma das figuras de referência do jornalismo nacional. Há muitos anos. Com um percurso que dispensa apresentações, José Carlos Vasconcelos, director do Jornal de Letras, diz que alguma comunicação social dá demasiada importância à “politiquice”.

Disse há pouco que a falta de rigor é a maior praga do jornalismo actual. Há algum remédio para combater essa praga?Há a consciência profissional, a preparação técnica e a exigência ética e deontológica. Porque o bom jornalismo e cumpridor das regras deontológicas fundamentais deve ser rigoroso. Às vezes há faltas de rigor que são acidentes de percurso, que só por si não significam nada. Mas um dos problemas fundamentais do jornalismo é descuidar um pouco a averiguação, a investigação, o contraditório e o saber que as palavras não são sinónimas. E também é necessário termos um maior respeito por nós próprios que nos obriga a esse rigor e a essa exigência.A concorrência desenfreada e o imediatismo na comunicação social podem estar também na origem dessa situação?Por vezes há a tendência de puxar os temas pelas orelhas. Dar-lhes maior dramatismo, maior espectacularidade. E isso verifica-se nos audiovisuais e nos meios escritos. Faz com que, para chamar a atenção, para conquistar leitores ou audiências, de certa forma se deturpe os factos. Outras vezes é até falta de competência, de preparação técnica, que é muito notória por vezes em questões de títulos que não têm correspondência nas notíciasA base cultural do jornalista é fundamental para o exercício da profissão?Para o exercício de um bom jornalismo essa base é importante, a par com muitos outros factores. Os primeiros são a seriedade, a capacidade de trabalho, o esforço, a intuição, o talento. Mas essa base cultural, num sentido amplo, é de facto importante.Nota diferenças a esse nível entre os jornalistas de há 30 anos e os jornalistas de agora?Não. Os jornalistas de agora, de uma forma geral, até são melhores. Há coisas no jornalismo hoje que são muito melhores. E grande parte dos jornalistas actuais tem mais preparação. Há outras coisas em que são piores. Como essa espectacularização, essas transigências ou cedências que se fazem para as vendas ou audiências e uma certa falta de intuição, designadamente à procura da notícia.A imagem do jornalista enquanto agente cultural está definitivamente enterrada?Não sei se alguma vez o jornalista teve essa imagem. Havia alguns jornalistas que eram, outros não. De resto, nisso, não creio que haja grande diferença ou evolução. Os média não estão demasiado subordinados à agenda imposta pelos políticos e pelas agências de comunicação?Alguns estão, outros não. Mas em relação aos políticos, de facto, há alguma comunicação social que pode estar. Acho que não há nenhum país no mundo em que se dê tanta agenda política como cá, sobretudo nas televisões. Vejo que se chega ao domingo e os telejornais estão cheios de declarações dos secretários-gerais ou dos presidentes dos partidos, o que em nenhum sítio se vê e que nós na imprensa escrita não fazemos. Ou dizem alguma coisa de jeito ou não faz nenhum sentido estar a dar o que vão visitar, o que dizem, que é meramente o que se chama politiquice. Há um divórcio entre a agenda desses orgãos de comunicação social e a realidade do país?Sim. O que aliás nem se percebe bem, porque, pelos menos ao nível da comunicação social escrita, é sabido que as coisas da política até são das que vendem pior. A vida politico-partidária nesse sentido é uma coisa que interessa pouco às pessoas.E quanto às agências de comunicação?As agências têm o seu lugar, agora o que não podem é ter uma influência perniciosa na comunicação social. Têm de ser vistas como um elemento informativo que a pessoa valoriza ou não.O jornalismo feito em Lisboa continua demasiado afastado do país real?Sim. Embora considere que não se pode falar muito do jornalismo de Lisboa. Há quem seja demasiado centrado na importância da capital, há outras pessoas que não. E por vezes há também por parte de alguns que são de fora de Lisboa a tendência para dizer que a comunicação social só vê Lisboa. O que não me parece que seja tanto assim.A imprensa regional tem futuro?A imprensa regional tem sempre um papel fundamental, porque é a que está perto das coisas. Importante é que fale dos problemas das populações, que dê notícias locais e regionais. Acho que tem até mais futuro que a outra. Mas acho que por vezes há jornais a mais. Vejo isso na minha zona. O concelho onde nasci (Paços de Ferreira), o segundo mais pequeno do distrito do Porto, tem três jornais. Na Póvoa de Varzim, onde estou ligado a um jornal em que comecei a escrever, tem também três jornais.O ministro Augusto Santos Silva falou na existência de um jornalismo de sarjeta. O que pensa disso?O Augusto Santos Silva às vezes diz assim umas coisas um bocado excessivas. É evidente que há jornalismo de má qualidade, jornalismo sensacionalista, como sempre houve. Mas acho que fazer qualquer generalização nesse sentido é errado e injusto.O que pensa das campanhas de oferta de brindes para fomentar a venda de publicações?Essa é uma tendência que se verificou em vários países e em Portugal também. Tende a desaparecer e de tal maneira que em Itália, em certo momento, houve um acordo entre proprietários no sentido de acabar com isso. Mas entretanto já voltaram. Gostaria muito que isso não existisse, mas é uma realidade. Está a ser quase fundamental para a conquista de mercado que depois leva à publicidade. Como jornalista obviamente lamento. Mas está a ser uma realidade poderosa e que poderia levar a um acordo entre as entidades proprietárias de jornais para haver regras e um limite.
A voz de um jornalista romântico

Mais Notícias

    A carregar...