uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

A aventura de fazer um documentário sobre um escritor “que quase ninguém lê”

Margarida Gil é a autora de “Sobre o lado esquerdo”, homenagem a Carlos de Oliveira

“Sobre o Lado Esquerdo” é o título do documentário de Margarida Gil sobre o poeta e escritor Carlos de Oliveira que foi apresentado no Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira.

Poético e transcendental, como Carlos de Oliveira. É assim “Sobre o lado Esquerdo”, um documentário sobre o universo literário do escritor, assinado por Margarida Gil, que foi apresentado no sábado no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, um espaço dedicado à corrente que inclui também o trabalho do homem de letras.O trabalho afasta-se do modelo televisivo que a cineasta abomina. No documentário não falam pessoas. Margarida Gil prescindiu das entrevistas. Afastou-se propositadamente do modelo gasto da televisão, demasiado jornalístico, britânico. “Funciona bastante bem em muitas coisas, mas achei que para o Carlos de Oliveira seria muito banal. Este modelo é mais cinematográfico, não tem nada a ver com televisão. Não tem contaminações”. No documentário falam os objectos de Carlos de Oliveira (1921-1981) que foram usados em estúdio. Os quadros, a cama, o cinzeiro, os manuscritos. Falam os fósseis, as estalactites que dão dimensão quase palpável ao universo poético do autor. “Também porque Carlos de Oliveira era obcecado pelo rigor da escrita”, explica a autora.O trabalho começou em 2004. A filmagem arrancou há um ano, por altura da Páscoa. Recolheu imagens na Gândara, terra natal de Carlos de Oliveira, digitalizou documentos, filmou quadros e juntou o material para estúdio. A montagem foi feita durante o último ano.“Não é fácil fazer um documentário sobre um escritor que já quase ninguém lê”, justifica-se Margarida Gil que não se conforma que o autor tenha sido retirado “estupidamente” dos manuais escolares. “Quem é que lê Carlos de Oliveira. Quem é que lê alguma coisa? “Abelha na Chuva” foi um grande sucesso. Hoje em dia há maníacos de Carlos de Oliveira. Cada vez mais é um autor culto para pessoas muito exigentes”, diz Margarida Gil.É um autor complexo, reconhece. A cineasta tentou uma aproximação à obra. À verdade da obra, sobretudo.“E aqui estão poemas de todas as fases. Tem a parte mais popular, a parte mais rigorosa dos últimos trabalhos. A parte mais neo-realista”, descreve. De um trabalho de um escritor, parafraseia Margarida Gil, é só a ponta do iceberg que se vê. Um terço fora de água e o resto debaixo de água, segundo o autor de “Finisterra”. “É uma imagem para dizer que um escritor é muito pouco conhecido porque não tem condições. Não lhe dão condições. O que se vê do escritor é apenas o mínimo”. Exigente, simpático, sem deixar de ser intimidante. Era personalidade com grande dimensão. Os amigos prestavam-lhe grande culto. “Este não é um escritor qualquer e este não é um documentário qualquer”, referiu a vereadora da cultura, Conceição Santos, durante a sessão. O trabalho, editado pela Ambar filmes - de que Margarida Gil é sócia com a produtora Solveig Nordlund - tem a participação de Luís Miguel Cintra e Fernando Lopes que representam o escritor. Laura Soveral também integra o 'elenco'. Os textos são de Carlos de Oliveira e o guião de Manuel Gusmão. Nada é ao acaso. “Pensei no Fernando Lopes porque ele filmou uma Abelha na Chuva”, explica a cineasta.O produto não é fácil, Margarida Gil sabe-o bem, mas tem registado receptividade. “A obra do Carlos também não era de uma grande facilidade”, justifica. Além do mais nós não podemos descer, as pessoas é que têm que subir, diz a autora. Subir ou voltar. Para o lado esquerdo, segundo Carlos de Oliveira: “De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração”.

Mais Notícias

    A carregar...