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O fósforo que ateou o fogo

Há diferentes leituras sobre as motivações dos militares para derrubarem o regime. Fala-se em questões corporativas, uma forma de acabar com a guerra colonial, instaurar um regime democrático. Qual é a sua visão?É tudo junto. Falo pessoalmente: não tinha formação política quando fui para a primeira comissão para Moçambique, como jovem capitão então com 25 ou 26 anos. Havia a ideia que Portugal era uno e indivisível do Minho a Timor. É durante a guerra colonial, no contacto com oficiais e sargentos milicianos, com irmãos meus mais novos que andavam na faculdade, que começo a ter uma consciência política sobre o que estávamos a fazer na guerra colonial. E como eu muitos outros oficiais. Só faltava o fósforo para atear o fogo…Que surge quando?O fósforo que ateia o fogo, não tenho dúvidas nenhumas, é o célebre Decreto-Lei 353 de 1973 que toca num problema corporativo. Une todos os oficiais. E a partir daí…O que dizia esse decreto-lei?Punha em causa a antiguidade dos oficiais oriundos da Academia Militar perante oficiais milicianos que tinham feito um curso de seis meses, que tinham tido uma ou duas comissões no Ultramar. O Governo faz um decreto em que esses oficiais iam uns meses à Academia e dava-lhes uma antiguidade como se tivessem feito o curso da Academia que durava quatro ou cinco anos. Ultrapassavam-nos a todos na antiguidade. Não achámos bem e a partir daí gera-se o problema político.No ano que se seguiu à revolução, o país esteve à beira da guerra civil, com golpes e contra-golpes militares. De que lado da barricada se encontrava a EPC?A nossa posição era clara: outra ditadura não. E estivemos muito tempo, até ao 25 de Novembro de 75, sem saber quem estava do lado de quem. Como a Cavalaria era uma unidade de combate que tinha força era muito assediada pelas forças políticas. Recebiam assédio directo de forças políticas a reclamar o vosso apoio?Directo ou indirecto. Essas coisas foram aparecendo. Mantivemo-nos apolíticos, espectadores atentos, mas se fosse necessário intervir… Queríamos estar com as forças democráticas.O 25 de Novembro foi decisivo para a instauração da democracia.Sim. Perto dessa data já começávamos a perceber quem era quem e quem estava do lado não democrático. E estávamos a ver que isto estava a descair para o sistema não democrático. Apercebemo-nos que aquelas forças que fizeram o 25 de Novembro queriam a democracia mesmo a sério. E depois os partidos políticos lá fizeram o trabalho deles, a Constituição, etc...Como viveram na EPC todos esses golpes, como o 11 de Março, o 28 de Setembro, o 25 de Novembro?Com muita expectativa, porque esse era o tal período em que não sabíamos o que se pretendia.Como encarava a possibilidade de ter de combater contra camaradas de armas?Encarava mal e ainda bem que não aconteceu. Porque tenho amigos que estariam do outro lado. Ainda houve pequenos confrontos com outras forças, mas connosco felizmente não aconteceu. Como somos um país pequeno e andámos na Academia Militar mais ou menos na mesma época, andámos na Guerra Colonial mais ou menos na mesma época, tratávamo-nos por tu, tínhamos muita dificuldade em disparar uns contra os outros.

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