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As armas que Salgueiro Maia não chegou a entregar ao PS

Ao ler a entrevista de José Niza a O MIRANTE, senti alguma emoção pelo recordar dos acontecimentos de Novembro de 1975, nos quais estive directamente envolvido, pelas responsabilidades politicas que, naquela altura, desempenhava no Partido Socialista a nível Distrital.A distribuição de armas pelos civis, que nos dias de hoje pode parecer um escândalo, era, na época, uma prática corrente, especialmente pela influência que os Oficiais Milicianos, militantes da esquerda revolucionária exerciam no interior dos Quartéis.Portugal vivia à beira de uma guerra civil. A luta era política e também militar. À esquerda do PS havia várias tendências antagónicas e tudo indicava que sem um projecto político consistente, coerente e ideológico, só pela via da insurreição militar, e consequente guerra civil, essas forças achavam possível anular o combate dos que defendiam a democracia e a liberdade.Foi neste quadro político, militar e revolucionário, que os Comandos Militares, compreenderam, que não era possível controlarem algumas das forças militares dissidentes da cadeia hierárquica, sem o apoio civil. O Partido Socialista e Mário Soares foram na altura um forte baluarte no apoio e defesa da hierarquia militar. É assim que surge a necessidade de armar civis em contraponto às armas distribuídas pela esquerda revolucionária.Em Lisboa foi o meu camarada Edmundo Pedro o responsável pela distribuição das armas o que, mais tarde, lhe custou muitos meses de prisão, traído por alguém que o denunciou no momento em que se preparava para as devolver à entidade militar que lhas confiara.Em Santarém o processo foi diferente. Não sabia da conversa entre Salgueiro Maia e José Niza sobre a possibilidade de entrega de 150 espingardas G3, que José Niza recusou. Sei apenas o que se passou com a minha intervenção, na ligação entre PS e o comando da Escola Prática de Cavalaria. Na época eu exercia o cargo de Coordenador Político no Distrito de Santarém, em representação do Secretariado Nacional, e foi nesta qualidade que tive esses contactos.Pessoalmente, sempre detestei armas. Era algo que me horrorizava. Mas a situação era demasiado grave e não havia lugar para sentimentos pessoais, havia que agir e tomar as decisões adequadas. É neste contexto que, não querendo armas para distribuir, preferi ter homens disponíveis para usar as armas, caso isso viesse a ser necessário.O PS, tinha organizado uma estrutura civil/militar, constituída por militantes que tinham servido nos Comandos. Este corpo civil/militar estava dividido em pequenas células facilmente mobilizáveis por telefone. Sempre que a Escola Prática de Cavalaria precisava de pôr o seu material na rua, inclusive quando marchou para Lisboa, em 25 de Novembro, a fim de neutralizar o R.A.L.I.S., ficava com o quartel desguarnecido, pela falta de efectivos e era nestas circunstâncias que os homens de que dispúnhamos, poderiam eventualmente ser necessários.Sempre que tive necessidade de mobilizar os militantes daquela estrutura civil/militar para a sede da Federação do PS em Santarém, a pedido do Comando da E.P.C., eles ficavam como reserva, para a eventualidade de serem necessários. Daí, a situação que o José Niza relata, dos homens que lhe apareceram na sede do PS numa certa noite e que desmobilizaram, de manhã sem terem visto quaisquer armas. Dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975, há muitos que apenas estão arquivados na memória dos que os viveram. E à medida que as nossas vidas se forem extinguindo, muitos desses arquivos se perderão para sempre. Daí ter dado a minha versão do que foi relatado a O MIRANTE por José Niza.Não me cruzo, nestes caminhos da vida, já há alguns anos com meu camarada e amigo José Niza. A homenagem que lhe foi prestada em Santarém nas comemorações 25 Abril de 2008, é acto de enorme simbolismo cívico, que honra os organizadores e prestigia ainda mais o homenageado a quem, aqui de Torres Novas, envio um caloroso e fraterno abraço, ficando à espera do seu anunciado livro sobre as memórias da guerra. Mas, José Niza, não te demores, porque aos oitenta anos, já não tenho “ Sete Vidas “.João F. Pereira

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