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“Há uma ocupação indiscriminada no concelho de Vila Franca de Xira”

“Há uma ocupação indiscriminada no concelho de Vila Franca de Xira”

Autor do Museu do Neo-Realismo não acha arquitectura da cidade muito bonita

Um dia, de regresso a Lisboa, o arquitecto Alcino Soutinho, sobrevoou Vila Franca de Xira e não gostou do que viu. Uma ocupação indiscriminada do solo e áreas de expansão duvidosa, diz o artista que projectou o museu do neo-realismo.

Como surgiu o convite para projectar o Museu do Neo-Realismo?Este é um projecto de afectividades. Primeiro porque sou um velho arquitecto, passei toda a minha juventude pela época da ditadura. Tive relações de amizades com pessoas ligadas à resistência e tudo isso está interligado e pesou muito na minha decisão. Quando o pintor Rogério Ribeiro me convidou para fazer o projecto do museu do neo-realismo aceitei com muito agrado.Foi fácil encontrar o espaço ideal?Eu e o engenheiro António Redol procurámos um terreno que servisse. Vimos um terreno muito bonito, lá em cima na encosta, com uma linda panorâmica sobre o rio Tejo. Mas para construir um museu não seria o ideal porque as pessoas não iriam lá com tanta facilidade. Procurámos no centro da cidade e só com a ajuda da presidente do município, Maria da Luz Rosinha, conseguimos arranjar um espaço central e muito bom para as nossas pretensões.Esta obra moderna construída no centro da cidade não fica desfasada?Existem muitas cidades do mundo onde diversos estilos, todos diferentes, coexistem sem polémicas. Veneza é exemplo disso. Tem edifícios da época renascentista e barroca, construídos em séculos diferentes, e as pessoas estão habituadas a essa situação. As comunidades acabam por absorver e integrar essas diferenças de estilo. Tudo evolui e a arquitectura não é diferente.O projecto do Museu do Neo-Realismo correspondeu às suas expectativas iniciais?Acho que sim. A construção foi muito penosa uma vez que o construtor apresentou uma proposta relativamente baixa e com um prazo de execução muito curto o que achei irrealista. Depois criaram-se algumas dificuldades, mas conseguimos levar tudo a bom porto.Fazia ideia de que pudesse transformar-se numa obra tão polémica?Já estou habituado. Praticamente em todas as intervenções que os arquitectos fazem sobretudo num meio urbano consolidado as pessoas criam grande polémica. É bom sinal. Mostra que as pessoas estão preocupadas e atentas. Como diz o meu amigo e arquitecto Siza Vieira, a arquitectura é algo que perturba as pessoas e é verdade uma vez que sai do gosto dominante. Nem todos gostam do mesmo e a arquitectura é muito subjectiva.Com o tempo habituam-se.Exactamente. As pessoas habituam-se, adaptam-se e vão também mudando de ideias. O museu Souza Cardoso que projectei em Amarante também foi alvo de muita polémica. Está instalado num antigo convento situado no centro da cidade e é composto por uma igreja e dois claustros. Estes dois claustros eram divididos por um corpo que, com o passar dos anos, desapareceu. Decidi projectar o elemento que faltava naquele espaço para repor a verdade inicial do convento. O problema é que as pessoas já estavam tão habituadas àquele erro e não aceitaram que se colocasse ali algo. Agora já se habituaram. (risos)Qual é a sua opinião sobre a arquitectura da cidade de Vila Franca de Xira?Tenho pena de dizer isto mas não acho a cidade de Vila Franca, sobretudo os seus contornos, com uma arquitectura muito boa. Um dia vinha a regressar a Lisboa e o avião deu a volta sobre Vila Franca para preparar a aterragem. Vim à janela e tive oportunidade de reparar na cidade e achei que há uma ocupação do solo um pouco indiscriminada. A arquitectura das zonas modernas e de expansão não me parecem as melhores.Concorda com o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles que considera o projecto “Nova Vila Franca” “uma monstruosidade”?Não conheço o projecto “Nova Vila Franca”, mas tenho muito respeito pelo arquitecto Ribeiro Telles e pelo seu trabalho. Se ele fez essa crítica é porque está por dentro do assunto e deve tê-lo feito com fundamento. Não achava mal que se fizesse uma reflexão mais pormenorizada sobre o assunto abordando as questões mais pertinentes.De que forma é que a arquitectura está relacionada com a política?A arquitectura é o reflexo de quem está no poder. O pensamento político tem que estar subjacente à arquitectura. Enquanto que o ditador tem necessidade de soluções arquitectónicas gigantescas para demonstrar o seu poder, os democratas são menos expansivos.Que diferenças existem entre a arte pública que se faz actualmente com a que se fazia há 50 anos?A arte pública era mais evidente, havia uma intervenção maior mesmo nos edifícios privados.A arte pública é suficientemente valorizada?Não muito. A escultura de jardim hoje aparece pouco sobretudo em Portugal. E aparecem também poucos escultores com folgo de fazer grandes esculturas como se fez, por exemplo, a estátua do Marquês de Pombal. Goste-se ou não, temos que admitir que eram obras de grande dificuldade de composição.O que deveria ser feito para valorizar a arte pública?Podia ter-se feito mais esculturas, mas com sentido moderno para colocar nos jardins das cidades. Mas coisas pequenas. As obras de grande tamanho já não se fazem tanto e também já não se usam.
“Há uma ocupação indiscriminada no concelho de Vila Franca de Xira”

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