Manuel Henrique Fonte, 73 anos cheios de vida, começou a guardar cabras e ovelhas ainda em criança. A vida do campo e a necessidade de ajudar ao sustento da casa roubaram-no aos bancos da escola, onde acabou por voltar aos quarenta anos para completar a quarta classe. Ironicamente também por causa da lavoura. No caso, segundo diz, para poder habilitar-se a conduzir um tractor. Provavelmente um antecessor do que lhe serve de fiel escudeiro nessa manhã de início de Verão num campo dourado e ondulado nas cercanias de Tremês, vila do concelho de Santarém.De enxada na mão alisa a terra o melhor que pode para facilitar a saída do veículo carregado de fardos de feno. Este ano produziu cevada. Para o ano, a terra que tem arrendada vai produzir trigo. Quanto mais trabalha menos a actividade dá, lamenta-se. Se precisa de carregar fardos e pede voluntários no café pedem-lhe oito e dez euros à hora. Valores que não pode pagar. Quando assim é resta-lhe deitar mãos ao trabalho e desenrascar-se sozinho. Como nessa manhã em que o sol lhe ilumina o olhar claro e lhe escurece a tez.Para além da agricultura, Manuel Henrique vai criando algumas bezerras no casal onde mora, nas proximidades de Tremês. Já teve vacas tourinas mas desistiu. “Não dá nada”, queixa-se com a simplicidade e o conformismo de quem já não tem grandes ilusões acerca da vida que escolheu. Ou para que foi atirado pelos insondáveis caprichos do destino. Os filhos, um casal, não lhe seguiram as pisadas. A agricultura, na família, está por sua conta. E risco. Porque já esteve 40 dias no hospital devido a um acidente de tractor. Já lá vão uns anos valentes. Da cama da enfermaria voltou para o verde dos campos. E por ali vai continuar, guarda fiel das raízes rurais, até que as forças não lhe faltem. João Calhaz