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A inspiração artística vem quando menos se espera

Três artistas naïf que começaram depois dos sessenta anos

Talvez tivessem o destino traçado desde o dia em que nasceram, como diz a canção. Se o tinham não suspeitavam. Até que um dia deu-se um “click” e tudo começou. Uma telefonista, uma caixa de super-mercado e uma melancólica surpreendida consigo própria.

Os retratos de Marlene Os trabalhos artísticos de de Marlene do Céu Lopes Mendes, 66 anos, encontram-se expostos na Biblioteca Municipal da sua terra, Ferreira do Zêzere. Retratos a carvão - onde se destaca o seu e o do neto Francisco de 12 anos - quadros bordados em linho que pela sua precisão mais parecem telas pintadas a óleo, artigos decorativos feitos a partir de materiais recicláveis como pinhas, escamas de peixe ou cascas de nozes.A autora tem a antiga 4.ª classe e foi telefonista na Câmara Municipal durante 35 anos. Marlene Mendes. reformou-se há cerca de dois meses e desde então tem-se dedicado àquilo que mais gosta de fazer. Os bordados já os faz desde os 12 anos. A vocação para pintar retratos só a descobriu aos 60 anos. De então para cá já fez quinze. Diz que herdou o talento da avó “que já fazia com as mãos coisas que não via em mais lado nenhum”. Marlene sempre gostou de “fazer uns rabiscos”. As colegas de trabalho incentivaram-na. Há seis anos ensaiou o primeiro retrato a carvão. “Comecei por fazer o meu. Se ficasse mal ria-me de mim própria”, confessa com boa disposição. Não se saiu mal e continuou. Para além do meto, um dos seus retratados foi o próprio presidente da câmara. E já tem trabalhos seus na Roménia. Em Moreni, cidade geminada com Ferreira do Zêzere. Galeria real de Maria A ex-telefonista da Câmara de Ferreira do Zêzere é apenas uma das muitas cidadãs que despontaram para as artes no Outono da vida. Maria Flores, 82 anos, que foi durante toda a vida operadora de caixa, realizou a proeza de pintar a guache as várias dinastias representativas dos Reis de Portugal, que guarda num dossier por ordem cronológica.Natural e residente em Tomar tem uma paixão pela história. Noutro dossier tem guardados desenhos a carvão de vultos históricos. Retratos de Fernando Pessoa, Samora Marechal, D. Duarte de Bragança, Mário Soares ou Cavaco Silva. Tem apenas a 4.ª classe e nunca tirou nenhum curso relacionado com artes. Utente do Centro de Dia do Lar Nossa Sra da Graça, situado ao lado de sua casa, Maria Flores ocupa parte do seu tempo a desenhar e a pintar. Quando começou escolheu D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei. Depois avançou por ali fora. A primeira dinastia toda. “Pensei que se tinha conseguido desenhar aquele também conseguia desenhar os outros”, refere. Se bem o pensou, melhor o fez. Tirou a as imagens de livros, selos, cromos. Outras imaginou-as. Mais barba, mais cabelo, mais coroa e menos coroa. Através do que lia sobre o comportamento dos monarcas traçou-lhes olhares e posturas. Os retratos foram feitos já Elsa tinha mais de sessenta anos mas Maria Flores recorda que desde criança sente o chamamento das artes. “Em pequena ofereceram-me uma caixa de lápis de cor e dormi com ela debaixo da almofada”, recorda. Nas paredes de sua casa, em Marmelais de Baixo, podem ver-se quadros pintados a óleo com vistas de Tomar. Um dos últimos que pintou representa o jardim do Convento de Cristo. Clotilde e o sentimento“Foi a melancolia que me despertou o talento”, conta Clotilde Lopes Raposo, 79 anos de idade. Estava em casa, em Vila Moreira, Alcanena, e sentia-se triste, muito triste.Olhou para a fotografia da filha, de olhos meigos e tranças louras, pousada em cima do móvel e lembrou-se de a desenhar num pedaço de papel que ali estava. “Fiquei espantada com o que tinha conseguido fazer”, conta.Tinha 72 anos e nunca lhe passara pela cabeça pintar. Entusiamada com a descoberta, mandou comprar tintas e pincéis e deitou mãos ao trabalho. Desenhava tudo o que via, fosse um objecto na sua casa, fosse um quadro numa revista, fosse uma imagem na televisão. Muitas das vezes madrugada dentro, mergulhada no silêncio.“Tenho mais tendência para os retratos ou para pintar paisagens mas só aquelas que são mais fora do comum”, explica. Inicialmente não mostrava os trabalhos a ninguém. Por receio que não fossem nada de jeito. Mas certo dia mostrou a uma amiga mais entendida em arte que lhe disse que aquilo estava muito bom e teria de ser mostrado ao mundo.Telas sucederam a telas e há cerca de cinco anos, depois de ter exposto em várias localidades, abriu uma Galeria na sua terra, a poucos metros de casa, onde tem expostas dezenas de obras a aguarela, óleo, pastel e carvão.Há quatro anos a inspiração foi cortada por um desgosto. A morte do filho. Clotilde Raposo parou de pintar. Premonitoriamente, o último quadro que pintou retratava um mar revolto anunciando uma tempestade. Agora mitiga a dor através de palavras. Pensamentos de um dilacerado coração de mãe que não entende porque o filho partiu antes dela.Ver Vídeo: http://www.omirante.pt/omirantetv/noticia.asp?idgrupo=2&IdEdicao=51&idSeccao=514&id=23764&Action=noticia

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