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Ganhou-se uma professora de artes e perdeu-se uma artista plástica

Maria Emília Palhinha é docente de Artes na Escola Secundária do Cartaxo

A docente não tem pejo em aconselhar a seguir culinária, agro-pecuária ou jardinagem aos que manifestam falta de jeito ou de motivação para as artes.

Maria Emília Palhinha é professora de Artes na Escola Secundária do Cartaxo desde 1984. Chegou um ano antes da explosão que marcou uma geração de cartaxenses. Nasceu em Évora. Há anos suficientes para se poder reformar da docência. E tem um grande amor à “sua” escola secundária, na qual também pertence ainda ao Conselho Pedagógico, onde é coordenadora e avaliadora.Basta percorrer alguns metros no interior da escola para ver reflectidos alguns trabalhos de artes: a pintura numa parede exterior de um bloco de salas de aula sobre os longínquos problemas em Timor Leste (1991), uma parede de entrada com alguns dos símbolos culturais do Cartaxo, realizado por alunos na altura da Expo-98. Há ainda trabalhos de alunos expostos em corredores e salas de aula. Fazem-se ainda performances, instalações e exposições. “Ao realizar estes trabalhos motivo-os para as artes, pintura, escultura e arquitectura. Mas também para se abrirem a outras saídas profissionais. Tenho ex-alunos na área da multimédia, na RTP, na SIC, a organizar espectáculos, etc…”, conta a docente. O apoio chega dos colegas da área, António Pedro Carvalho e Maria de Fátima Pereira. Na sala de aula de Artes as mesas estão juntas para colocar os trabalhos. O desenho e a pintura são a base. Os lápis, as tintas e os papéis os instrumentos. A sala de aula é amada pela professora. É lá que passa 12 horas lectivas por semana com três turmas. E muitas horas de dedicação. “Tem de ser um amor partilhado na luta pela arte. Mas também seguir as regras e normas do desenho e dar-lhes cultura artística porque, no exame final, é isso que lhes vão exigir”, esclarece. As três disciplinas fulcrais são, para si, história da arte, geometria descritiva e matemática.O estudo é uma coisa. O talento outra. Maria Emília Palhinha considera que as mãos são instrumentos de trabalho do talento, que tem de ser cerebral. “Tem de se conhecer a pessoa para se abordar a parte psicológica. Mais vale mandar fazer um poster se a pintura for tirada de uma fotografia”. Como os desenhos que a docente faz nas horas vagas. Retratos de amigos, familiares. Tudo na solidão de casa, ouvindo Vangelis e outros sons. A mesma música que chega às aulas. As visitas de estudos complementam as aulas. A visita à colecção permanente da Gulbenkian é quase de lei. Mas também ao Museu de Arte Moderna, às exposições no Centro Cultural de Belém, à Culturgest. “Os alunos vêem o que podem fazer, ganham referências e ajudamo-los a construir a sua própria linguagem”.Maria Emília não tem pejo em aconselhar a seguir a culinária, agro-pecuária ou jardinagem aos que manifestam falta de jeito ou de motivação para as artes. “Numa passagem de ano senti uma pancada no ombro de um aluno que costumava usar um gorro enfiado até orelhas, calças penduradas e cheio de piercings. Até dormia na aula. Nessa altura vinha todo bem vestido, com a namorada, e disse-me que frequentava um curso de turismo com um professor francês que o quer levar para França”, recorda com um sorriso.Há dez anos um aluno pintou um quadro num verde agressivo, tipo “verde vomitado”, com uma cara esbugalhada e estereotipada. Pendurou-a na parede em frente onde a professora costumava estar. Maria Emília ficava enervada e não sabia porquê. No final do ano, a prova global foi um relatório sobre uma obra produzida. O objectivo do quadro do aluno era irritar a professora. Teve 18 valores. Maria Emília Palhinha formou-se na Escola Superior de Belas Artes. Mas com muita insistência, depois de ter seguido Germânicas. Trabalhou no Colégio Marcelino Mesquita e passou pela Escola Ginestal Machado em Santarém. No quinto ano de liceu evidenciou o talento para as artes, ao ganhar um prémio nacional de cerâmica com um retrato da rainha D. Leonor. Fora do âmbito escolar, Maria Emília participou nos salões Primavera em Fátima, expôs em Santarém, em concursos de pintura na antiga Escola Prática de Cavalaria, e no Cartaxo. Fica-se por saber se o país perdeu uma artista plástica. Mas terá sido compensado com uma professora. “Em tempos tive convites para trabalhar nos ateliers de professores da Escola de Belas Artes, mas quis ajudar a sustentar as minhas filhas”, recorda. No presente e sobre o futuro próximo diz que no momento em que não se sinta útil à escola e à comunidade tomará a iniciativa de sair.

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