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Samuel Morgado Barradas

Samuel Morgado Barradas

64 anos, relojoeiro

Nasceu em Ponte de Sôr a 11 de Agosto de 1944, no meio dos relógios. Com oito anos começou a aprender a arte de relojoaria com o pai, com quem trabalhou até aos vinte anos. Foi com essa idade que, em busca de uma vida melhor, arranjou emprego como relojoeiro na Golegã. Dois anos mais tarde, fixa-se com a família na Capital do Cavalo e abre a Ourivesaria Barradas. Calma e paciência são características indispensáveis para quem trabalha nesta arte, cada vez mais rara nos dias que correm com pressa.

Aprendi a ser relojoeiro a ver o meu pai trabalhar. Tinha uma ourivesaria em Ponte de Sôr e também consertava relógios. Trabalhei com ele dos dez aos vinte anos. Depois casei, constituí família e pedi-lhe um vencimento. Como não me podia dar, respondi a um anúncio de jornal onde estavam a pedir um relojoeiro para uma casa na Golegã. Fiquei à experiência durante um mês, sem fixar qualquer ordenado. Na altura, ofereceram-me 1.250 escudos por mês, o que era muito bom. Trabalhei nessa ourivesaria durante dois anos e ganhei a confiança de muitos clientes, que me incentivaram a abrir um negócio por minha conta. Abri a Ourivesaria Barradas, na Golegã, há 40 anos. Sempre tive a ambição de me estabelecer por conta própria e como tinha encargos familiares apareceu-me a oportunidade e não a deixei fugir. Coloquei a minha esposa, Marta, a trabalhar comigo. Primeiro estivemos numa casa, perto do local onde estamos actualmente, e ali ficámos durante 22 anos. A certa altura houve necessidade de mudarmos para um espaço maior, com outras condições habitacionais, e já aqui estamos há 18 anos. Penso que foi a qualidade do nosso trabalho e o esforço permanente em satisfazer o cliente que fizeram com que o negócio andasse para a frente. Tenho pena que o meu negócio não vá ter continuidade. Toda a minha vida foi dedicada e sacrificada aos relógios. Quis transmitir esta profissão ao meu filho, Samuel, mas ele acha isto uma maçada. Agora estou empenhado em ensinar esta arte ao meu neto, João Afonso, que tem 10 anos. Procuro que ele esteja perto de mim, na bancada, e me veja a trabalhar quando faço arranjos em relógios mecânicos. Penso que relojoaria não se pode aplicar aos conserto de relógios electrónicos, onde basta tirar uma máquina e colocar outra. Um relojoeiro é aquele que desmonta um relógio e o volta a montar, peça por peça, no sítio certo. É uma profissão que dá um certo gozo. Hoje aparecem-me poucos arranjos em relógios mecânicos mas quando aparecem faço-os mais pelo prazer de o fazer do que pelo lucro. No fundo, trata-se de voltar a dar vida a um relógio que, mecanicamente, está morto. É como se o ressucistasse. Montamos, desmontamos, voltamos a montar sempre sem saber se, no final, o relógio vai trabalhar. Mas sempre com a ânsia de o voltar a pôr a trabalhar. E consegue-se. E quando se consegue é uma vitória! Esta é uma profissão em vias de extinção. Hoje já não se trabalha como antigamente. A electrónica veio modificar tudo. Para se ser um bom relojoeiro não se pode ter stress, tem que se ter muita calma e, principalmente, muita paciência. E, sinceramente, na juventude de hoje não vejo nada disto. Sou do tempo em que as pessoas pagavam a um mestre para aprender. Hoje, por vezes, é o Estado que paga às pessoas para elas aprenderem… e elas não querem. O meu pai trabalhou até aos 93 anos. Sinto que há uma grande mudança de mentalidades na sociedade. Antigamente, quando um rapaz acabava o exame da 4.ª classe, o avô vinha à minha casa com o neto e fazia questão de lhe oferecer um bom relógio, daqueles que duram uma vida. Presentemente, os miúdos não querem saber de relógios bons, querem os relógios da moda. Durante muitos anos não tive férias. Trabalhava todos os dias da semana e sacrifiquei muitas vezes a minha família por causa do trabalho. Sou casado, tenho dois filhos e um neto. Gosto de caçar e pescar mas falta-me tempo porque sempre estive muito ligado ao associativismo na Golegã. Quando para aqui vim trabalhar não conhecia a vila, mas acho que me adaptei facilmente e fui bem acolhido pelas pessoas. Já sou mais da Golegã do que da minha terra.
Samuel Morgado Barradas

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