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“A cultura é dos homens e não é só em Vila Franca de Xira”

“A cultura é dos homens e não é só em Vila Franca de Xira”

Alice Geirinhas, uma feminista no Museu do Neo-Realismo

É feminista, profissional e mãe de duas crianças. É o homem que tem que adaptar-se ao novo paradigma, diz a artista Alice Geirinhas que acredita que vivemos numa sociedade falocêntrica. “Toda a cultura é de homens e não é só em Vila Franca de Xira”.

“Este sexo que não é só um” [Ce sexe qui n’en est pas un] é o título da sua exposição. Onde o foi buscar?É o título de um livro de Luce Irigaray, uma artista que aderiu, nos anos 60, à escrita feminista. Um movimento que depois prosperou também no campo das artes e cuja importância foi muito grande, quer nos Estados Unidos da América, quer em Inglaterra. É uma feminista. Isso condiciona a sua arte?O feminismo não condiciona o que faço. Este foi um trabalho pontual. O próximo poderá ser diferente. E não ponho de parte que o meu trabalho tem o seu quê de biográfico.É a primeira vez que vem a Vila Franca de Xira?Não é a primeira vez. Tenho vindo assistir pontualmente a várias conferências e a exposições aqui no Museu do Neo-Realismo. E trago sempre vários amigos. Mas só conheço a cidade de passagem. Como fazendo parte da cintura industrial da lezíria.Acha que Vila Franca de Xira está preparada para receber uma exposição como esta? Tendo em conta que é uma cidade que apresenta como ex-libris a cultura taurina, mais associada ao masculino?Toda a cultura é de homens e não é só em Vila Franca de Xira. Vivemos numa sociedade falocêntrica. O que acha das mulheres na arena? Das toureiras, das cavaleiras...Também existem mulheres condutoras de eléctricos. Não me parece que tenha a ver com feminismo. Tem a ver com direitos humanos. Faz sentido falar de feminismo nos dias que correm?Sim, claro. Apesar do feminismo já não dever ser entendido como uma afirmação. Actualmente quando falamos em feminismo falamos de outra coisa. Falamos de uma releitura da própria história universal. Durante anos e anos o papel da mulher foi afastado da história. Hoje o feminismo passa por colocar a mulher no centro da sua história.No panorama nacional tem algumas feministas de referência?Sim, as 'três Marias' [Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta].Quais são os desafios que se colocam hoje às mulheres?Não consigo fazer futurologia, mas parece-me que todos os desafios para o futuro, passam a nível do humano e não tanto a nível do feminino. A ecologia, por exemplo, é um desafio. Os próximos desafios dizem respeito a homens e a mulheres. É mãe de duas meninas, de 4 e 11 anos e vive com o seu companheiro. Na abertura do seu site da Internet podemos ver um desenho de uma super mulher. Este novo paradigma funciona ou a família fica a perder?A família nunca fica a perder. Ela é sempre prioritária. Mas nos dias que correm não é a mulher que tem de se adaptar. Apesar de tardiamente as mulheres portuguesas foram inseridas na sociedade. Hoje quem tem de se adaptar ao novo paradigma são os homens.Vivemos numa crise de paradigma?Sim. Vivemos num tempo de mudança. As toureiras e as mulheres condutoras de eléctrico são o reflexo disso. Se o Barack Obama ganhar as eleições nos Estados Unidos da América [EUA] vai haver uma verdadeira mudança de paradigma. Um presidente negro, oriundo da classe média, chega à chefia de uma país como os EUA. A vereadora da cultura fala de si como uma “artista controversa”. Acho que a senhora vereadora não se estava a referir à minha obra, mas ao ciclo de exposições que o museu está a desenvolver. Mas que provavelmente não será entendida pelo comum dos cidadãos. Para se entender a arte é preciso haver conhecimento. E no nosso país esse acesso não é facilitado. O que se passa em Vila Franca de Xira não deve ser muito diferente do que se passa no resto do país. Se o Estado não tem um Museu de Arte Contemporânea, dificilmente as pessoas vão ter acesso. Mas creio que as coisas estão a mudar aos poucos. O Museu do Neo-Realismo é um bom exemplo.Uma artista controversaPara Maria Conceição Santos, vereadora da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Alice Geirinhas é uma artista controversa. “As mensagens que transmite nas suas obras não provocam espanto, mas controvérsia e polémica. Mas é a controvérsia que produz a reflexão”, comentou a O MIRANTE Maria Conceição Santos. Já para David Santos, director do Museu do Neo-Realismo, Geirinhas é uma pós-feminista, uma artista que não abdica nunca da sua condição de mulher. “A sua obra reflecte uma interrogação sobre o lugar da mulher. Cruza a sua arte com questões biográficas e representa um projecto de continuidade em torno da arte mais crítica, que para nós faz sentido manter”, disse.Arte contemporânea, disse elaDepois de nomes como João Tabarra, José Maçãs de Carvalho, Paulo Mendes e Pedro Cabral Santo, o Ciclo de Exposições de Arte Contemporânea do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira, “The Return of the Real”, acolhe até 25 de Janeiro de 2009, a exposição “Ce sexe qui n’en est pas un” de Alice Geirinhas. Uma exposição que marca também o início das comemorações do primeiro ano de vida do museu vila-franquense. Nas palavras de David Santos, director do museu, trata-se de “um projecto artístico que cruza, de novo, a performance e o desenho, criando desta vez uma teia de vestígios sobre a importância do nome feminino na identificação de uma acção política concreta”. Alice Geirinhas nasceu em Évora, em 1964. Estudou Belas Artes e já expôs um pouco por todo o mundo. Foi colaboradora do já extinto Independente e ilustradora do jornal Público. Alice Geirinhas no dia da inauguração da exposição, 18 de Outubro, realizou ainda a performance “Palácio de Cristal” com a vidraça norte do museu pintada. Foram inúmeros populares que assistiram à performance.
“A cultura é dos homens e não é só em Vila Franca de Xira”

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