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“O meu modo de vida não é ser presidente de câmara”

Francisco Moita Flores ainda não decidiu se é recandidato à presidência da Câmara de Santarém

O autarca diz que vai ter de optar entre a vontade de concretizar alguns projectos conquistados para o município e o tempo para a família e para a escrita. Uma decisão que diz não ser fácil. Mas deixa já a garantia que, se concorrer novamente, é nos mesmos moldes de 2005: como independente nas listas do PSD.

Sábado cumpriram-se três anos desde que tomou posse como presidente da Câmara de Santarém. Nesse dia esteve num jantar de apoio à sua recandidatura, organizado por um grupo de cidadãos. Foi sensível aos argumentos?É encorajador saber que existe gente de todos os quadrantes políticos empenhada na minha recandidatura. E isso é um estímulo grande e comovente até. Não esperava aquilo.E é suficiente para o convencer?Tenho de tomar uma decisão sobre isso, que não pode passar só pelo carácter afectivo das coisas. Não tenho tido tempo para a reflexão e a discussão com quem tenho de discutir isso. Não é uma discussão com partidos. É uma conversa familiar ampla e também com os meus editores. Vou ver se consigo aproveitar o Natal ou Janeiro para tirar uns dias de férias e juntar toda a gente para ver se resolvo isto. Desde que estou na Câmara de Santarém falhei todos os prazos que tinha de todas as edições de livros que estavam projectadas.Quantos livros é que tem em atraso.Neste momento são quase três. O meu modo de vida não é ser presidente de câmara. Nem devia de ser modo de vida de ninguém, mas desgraçadamente o país está cheio de maus exemplos desses.Não há aí também algum calculismo político, à espera de ver que candidato o PS vai apresentar?Não. Quem viveu uma candidatura como a que vivi contra o poder instalado durante 30 anos em Santarém, não está à espera de nada. Nem está em jogos desse tipo. Sou demasiado destemido para viver esses jogos. Qual é a sua vontade íntima?Estou preso de uma contradição. Em três anos demos uma volta a Santarém, com uma equipa grande e jovem, e sei que existem dificuldades no que respeita à continuidade deste projecto. Ou, pelo menos, que é difícil arranjar quem neste momento possa agarrar este leme. E há coisas que conseguimos ganhar que gostava de ver realizadas. Acho também que ganhei uma relação muito afectiva com a população, pelo menos com a bem intencionada e bem formada. São tudo elementos que dizem para me recandidatar. Depois há outros do foro individual que dizem o contrário, como a vida de escritor adiada. Isto não se resolve numa noite de conversa.Se for candidato concorre pelo PSD?Se for candidato, é nos mesmos termos em que fui em 2005. Como independente numa lista do PSD. Têm circulado rumores de que poderia avançar com uma lista independente.Esses rumores partiram do interior do próprio PSD. E nem vale a pena falar nisso porque é demasiado triste.Como tem sido a sua relação com o PSD de Santarém?Tenho uma excelente relação com o presidente da concelhia do PSD, Ricardo Gonçalves, que também é meu vereador. Tenho uma excelente relação com a concelhia da JSD. Agora, há franjas do PSD que nunca quiseram a minha candidatura e que se revelaram como os piores adversários, por razões que nem me pergunte quais são porque não me interessam… Qual a razão para as relações com o seu vice-presidente Ramiro Matos terem esfriado na segunda metade deste mandato?O Ramiro é um jovem cheio de talento e um homem promissor. É um moço com valor que tem um caminho importante para fazer na vida. Umas vezes discutimos, outras vezes discordamos e outras vezes estamos de acordo.Ramiro Matos é uma carta fora do baralho na sua lista se eventualmente se recandidatar?Ele tem uma forma de trabalhar muito própria. É um homem muito fechado. E isso às vezes é difícil de contornar quando estamos a trabalhar numa equipa. É um problema de temperamento que não tem a ver com as suas qualidades intrínsecas. Julgo que vai ter uma excelente carreira como jurista e até como político, se conseguir emendar algumas coisas da sua vida política. Mas, como nem sei se me recandidato, não posso responder a essa questão.“Sei usar as palavras como pouca gente sabe”Antes chamavam-lhe o Moita das festas porque não havia obras, agora é o Moita das obras porque há muitas a decorrer em simultâneo.O que hei-de fazer? Trabalhei numa brigada de assaltos à mão armada. E quando entrei o meu chefe disse-me que a partir desse dia deixava de ter mãe. Porque ia trabalhar nos bairros mais perigosos de Lisboa e iam-me chamar tudo para que me distraísse daquilo que ia fazer. Quem se habitua a uma cultura de agressividade muito forte nem consegue reparar nestas coisas de velhos rezingões.Mas por vezes perde um pouco o controlo, designadamente na assembleia municipal com as intervenções de alguns eleitos socialistas.Não. O que me irrita é a ignorância voluntária, de não saber porque não se quer. A democracia tem que ser culta. Não pode admitir certo tipo de estratagemas e de recursos à baixeza política e moral.A oposição chegou a acusá-lo de usar linguagem excessiva. Sei usar as palavras como pouca gente sabe. Não faço retórica gongórica, não sou um manancial de palavras. Não há nenhum livro meu que não tenha ultrapassado os 100 mil exemplares de vendas. O que quer dizer que sei usar as palavras. E uso as palavras com conta peso e medida. Digo exactamente aquilo que quero dizer, à pessoa que quero dizer. Sou frontal, transparente, aberto.Como dizia há tempos numa assembleia, quem se mete com o Moita Flores leva…Isso foi para gozá-los. Citei um clássico, porque estavam a avançar com uma série de falsidades e de mistificações. Quando estamos num debate numa instituição que merece o maior respeito, não podemos desrespeitá-la pela mentira e pela deturpação. Nos últimos tempos tem adoptado um registo mais moderado. E os alvos das críticas também têm mudado. Neste momento tem causticado mais o ex-presidente José Miguel Noras do que o seu antecessor na câmara, Rui Barreiro. É pura táctica política a pensar nas próximas autárquicas?Quando entrei na Câmara de Santarém, e perante os primeiros efeitos do descalabro que aqui estava, o meu impulso foi atirar para cima do meu antecessor. Devo dizer hoje com alguma distanciação que o grande erro de Rui Barreiro foi ter gerido esta câmara como um elefante em loja de porcelanas.Em que sentido?Por razões de solidariedade partidária ele não expôs aquilo que encontrou, embora seja verdade que foi desastrado quando disse que a câmara estava falida. Se nós formos ver os grandes problemas que esta câmara tem, os mais graves, não foram herdados da gestão de Rui Barreiro, que até foi uma gestão apagada e sem grande centelha de génio. Foram coisas que ele recebeu e que ele calou.Também recebeu algumas heranças de Rui Barreiro, como o processo do acesso sul. Porque é que nunca abriu o livro sobre essa questão, apesar de por vezes a aflorar.Pese o facto de ser uma pessoa que responde de forma muito frontal, assumi que um dos grandes desafios que tinha era recuperar a confiança na câmara. Esta autarquia é respeitável, cheia de técnicos de grande qualidade e havia uma desconfiança activa. Hoje damos cartas no país com uma ou outra alteração. Isso ao nível dos prazos de licenciamentos. Mas nos prazos de pagamentos as coisas continuam parecidas.Quando aqui chegámos isto estava numa situação de descalabro completo. Eu propus em 60 dias um plano que poderia resolver esse problema. Foi rejeitado por todos. Porque a lógica da oposição na altura era quanto pior melhor. E agora já não é? A oposição tornou-se mais branda?Eu próprio mudei de estratégia. Percebi que isto não se faz com os partidos ou contra os partidos mas sim com as pessoas. E em vez de ir pela proposta política fui pelo bom senso das propostas. Hoje sou capaz de adivinhar os votos antes de ir para uma reunião de câmara, porque percebi como é que o PS vota. Depois há a vereadora independente Luísa Mesquita…Que tem sido uma preciosa aliada nalguns processos...Ela não me dá muito jeito, porque é quem levanta mais problemas. Mas é mais solidária na altura das votações.Não. A lógica dela é a que o Partido Comunista tem em todas as câmaras. Desde que os projectos sejam explicados até à saciedade, antes de chegarem à votação já sabemos se dizem sim ou não. E há muitos a que ela disse não que nem levámos à reunião de câmara. Como tenho maioria relativa tenho que ir fazendo isto com o PS e com a vereadora Luísa Mesquita. Isso obriga-nos a negociar e a retirar o melhor do que a democracia tem.No início do mandato as coisas não funcionavam assim. Houve momentos de grande crispação.Não funcionavam porque havia uma lógica de esquerda e direita. Não aceito essa lógica porque alguns símbolos que a esquerda tem como seus são tanto dela como da direita. Aliás uma das surpresas que algumas elites tiveram foi de perceber que eu não aceitava que os grandes mitos, os grandes heróis tivessem pertença. Não são de ninguém.Como o caso de Salgueiro Maia?Sim. Salgueiro Maia é um herói do país, da nossa História, que não tem pertença. E eu não lhes dei esse direito de continuarem com esse monopólio.Voltando atrás: há um problema que não conseguiu resolver que é o do pagamento a fornecedores a tempo e horas. Já conseguimos sair do grupo das câmaras mais endividadas. E agora vamos resolver o outro problema, que é o da dívida de curto prazo, com uma parte do dinheiro que resulta do concurso para selecção do parceiro privado da empresa municipal Águas de Santarém. Estou convencido que até final do ano estará resolvido.Estas obras todas em curso em cima do final do mandato dão jeito em termos eleitorais.Estas obras foram todas apresentadas há um ano. Os processos burocráticos são morosos. Por acaso vão acabar todas no ano que vem. Vão ser inauguradas todas antes das eleições, para que quem vier a seguir não tenha este problema para resolver. Fica tudo feito. E ficam outras lançadas.Os milhões das compensações do novo aeroporto foram uma espécie de sorte grande que saiu a Santarém.Saiu a sorte grande a Santarém porque o presidente da câmara andou seis meses a levar cacetada, ou porque estava na televisão, ou porque estava noutro lado, e andava a trabalhar de dia e de noite a reivindicar, a puxar para Santarém e para todos os municípios. Houve sempre um sentimento de solidariedade muito forte com os outros municípios da Lezíria que estavam nessas negociações.“As opções políticas de Sousa Gomes são uma tragédia”As relações com a direcção da Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo (CULT) continuam frias?Quem fez esta tramóia toda foi o administrador executivo da CULT. E os dois homens mais poderosos da CULT continuam a protegê-lo.A questão também é política, pelo menos em relação aos seus congéneres de Almeirim e Benavente a quem se refere.Não é muito política porque não lhes ligo assim grande coisa. Sendo os concelhos de Santarém e Almeirim vizinhos não deveria existir uma relação mais cooperante?Tenho as melhores relações com o cidadão Sousa Gomes, tenho uma grande consideração pessoal por ele. Quanto às suas opções políticas, acho que são uma tragédia. Não há relações institucionais entre os presidentes das câmaras de Santarém e de Almeirim?Não. O dr. Sousa Gomes do ponto de vista político errou completamente e continua a errar quando despreza os interesses de Santarém, que tem 70 mil almas. Este agir contra a capital de distrito só lhes fica mal. Não faz muito sentido numa lógica de interacção que duas cidades vizinhas estejam de costas voltadas. Como a vida tem mostrado, o Tejo tem separado muito mais coisas. E há uma coisa que separará enquanto estiver à frente da Câmara de Santarém: não permitirei que um tostão que seja de património da Câmara de Santarém seja permutado, trocado, alienado a custo zero. Não admito isso.Santarém tem ganho com a exposição mediática de Moita FloresNos últimos tempos tem sido objecto de paródia nos mais diversos programas humorísticos na rádio e na TV. Essa situação incomoda-o?Ainda ontem (domingo) entrei num programa dos Gato Fedorento. Essas situações divertem-me e até me orgulham. Quem vê os programas dos grandes humoristas nacionais percebe que eles têm como referência grandes figuras nacionais. Eles conferem-me esse atributo de referência nacional.Há semanas houve uma rábula nos Contemporâneos que encenava a sua morte. Gostou?Achei muita graça. Ri-me perdidamente. Temos que ter humildade para rir de nós próprios. Isso diverte-me e sinto-me lisonjeado. Há três anos, em Santarém, sabiam quem eu era porque estava na televisão quando vim para a câmara.Santarém tem ganho com essa exposição do seu presidente de câmara?Tem alguma dúvida? Ainda a semana passada a RTP esteve a transmitir durante horas do Festival de Gastronomia, a fazer publicidade à cidade a custo zero. E essa transmissão a mim se deve. O que responde aos que dizem que passa mais tempo na TV que em Santarém?Só diz isso quem é má-língua e está de má fé. Eu vou à televisão uma vez por semana à quinta-feira à noite, a um programa para que fui convidado com personalidades nacionais. E não tenho culpa de me convidarem a mim e de não convidarem os tipos que dizem isso. Também comento, uma ou duas vezes por semana, casos numa crónica de polícia. Não são 30 minutos por semana de debates que podem levar a dizer isso. Quem testemunha a minha vida sabe que desde as nove da manhã até às onze da noite, quase todos os dias, estou na câmara. Ao longo destes três anos qual foi a maior dor de cabeça que teve em termos autárquicos?Tive muitas. Aquela que mais me atormenta tem a ver com finanças. Aliás estou em vésperas de fazer algumas alterações na gestão de tudo isto.Continua a gastar-se muito na Câmara de Santarém?Não pode deixar de se gastar. Cada vez são maiores os desafios. Agora vêm aí as escolas, com as delegações de competências. Só com o pessoal as despesas vão disparar outra vez. Aliás, se esses rapazes da má-língua quisessem ser justos chamavam-me o Moita das escolas. Porque o investimento feito nas escolas nunca foi feito na história do concelho. As escolas são as meninas dos meus olhos. Quais as maiores alegrias neste mandato?Tive muitas. Uma delas foi no dia em que a estátua de Salgueiro Maia foi colocada no sítio onde devia estar. E a maior asneira que cometeu?Cometi muitas e vou cometer mais algumas. Porque ao contrário dos políticos profissionais, eu acho que não sou a verdade, o caminho e a vida. Sou um homem frágil, que comete erros, que recua, que depois escolhe. Como presidente de câmara talvez erre menos do que na minha vida pessoal, porque acautelo melhor os passos que dou. A saída do projecto Águas do Ribatejo foi um desses erros?Esse é um dos maiores trunfos que entreguei a Santarém. Foi não permitir que nos roubassem o nosso património. Isso é uma história que tem trinta anos, de largar o nosso património à borla, dado, vigarizado, cheio de promessas. Eu não permito que façam isso a Santarém.

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