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O professor que durante 40 anos lutou contra o analfabetismo no Cartaxo

O professor que durante 40 anos lutou contra o analfabetismo no Cartaxo

Mestre Cid nasceu na Beira mas foi no Ribatejo que cumpriu a missão de pedagogo

Mestre Cid lutou pelo fim do analfabetismo no Cartaxo durante 40 anos. A sua paixão era ensinar a ler, a escrever e a contar num tempo em que a pobreza levava as crianças para o trabalho no campo.

No mês de Outubro as matrículas eram escassas. O grosso dos alunos chegava em Novembro, depois da Feira dos Santos. Corria o ano de 1911 e era professor na Escola Central do Cartaxo Maximino Cid, conhecido na terra como “Mestre Cid”. A história do homem que durante 40 anos se bateu de forma apaixonada pela erradicação do analfabetismo no concelho do Cartaxo, é contada por Everilde Maria de Oliveira Pires e Maria Manuel Simão, autoras do livro “Mestre Cid e a escola do seu tempo”, uma obra lançada com o apoio da Câmara Municipal do Cartaxo que revisita a época histórica em que actuou o professor. O jovem beirão completou o curso teológico no seminário de Viseu, mas sempre soube que não tinha vocação para a vida eclesiástica. A confidência é feita pela bisneta de 58 anos, bancária, que não conheceu o familiar, mas que aprendeu a admirar a figura. “Não tinha vocação tanto que não se chegou a ordenar padre. Era de uma família pobre e o seminário era a possibilidade que existia de estudar”, explica Maria da Conceição Cid Mendonça Areal.Mestre Cid fez exame para obter o diploma de professor do ensino primário complementar, como o permitia a lei. A prova exigia uma preparação científica e até pedagógica cuidada. Começou a dar aulas em 1882. Passou por S. João da Pesqueira, Santiago do Cacém, Meda, até que em 1889 é nomeado professor vitalício no Cartaxo. O seu objectivo era que na área da sua escola não existisse mais uma pessoa sem aprender a ler, escrever e contar. Chegou a propor que se fossem avisados os alunos de sete e oito anos que até 15 de Novembro não se tivessem apresentado à matrícula. “No ano imediato seriam chamados os de sete, oito e nove anos e assim sucessivamente, de modo que no fim de meia dúzia de anos estaria posto em prática o ensino obrigatório”, sustenta num dos relatórios.O ensino era obrigatório, mas as dificuldades económicas das populações constituíam um entrave. Criaram-se comissões paroquiais de beneficência e cursos nocturnos, frequentados sobretudo por adultos trabalhadores rurais.A falta de alunos no Cartaxo era um problema sentido por Mestre Cid. A primeira entrada dos alunos para a escola acontecia já aos oito anos. As dificuldades afastavam os meninos da escola. “Crianças com dez anos empregadas no campo ganhavam 1$20”. Além disso o ensino obrigatório era difícil de concretizar também por falta de pessoal docente para leccionar as crianças recenseadas.Foi Mestre Cid que fundiu as escolas masculina e feminina da vila assim que a lei permitiu. O professor tinha também a preocupação de fazer um horário adaptado às mães que lutavam contra a falta de tempo. Em 1917 a escola funcionava com 186 alunos, mas existiam 386 crianças na vila. Algumas tinham falecido, outras mudaram de residência e outras frequentavam o ensino particular. “No entanto é justo confessar que há muitos analfabetos”, considerava o professor com a esperança de que o número diminuísse assim que fosse construída a nova escola. Atrasada - porque o material tinha aumentado por causa da guerra. Maximino Cid, nasceu em S. João do Monte, Tondela, distrito de Viseu, onde regressava nas férias, mas foi no Ribatejo que cumpriu a sua missão de pedagogo ao longo de 40 anos. Foi na mesma vila que conheceu a colega com quem veio a casar, Ana de Oliveira Feijão, em 1893.Criou a comissão “Cid” que se destinava a pagar os medicamentos aos pobres. Era escriturário da Associação de Socorros do Monte Pio do Cartaxo e um dos seus sócios mais antigos. O cargo não era remunerado, mas o professor recusava utilizar para proveito próprio o dinheiro da associação, apesar de gastar milhares de escudos em medicamentos para tratar a gota, uma doença que o martirizava. “Alegava que o Monte Pio tinha sido criado para os pobres, não podendo admitir sem protesto que as pessoas de haveres aceitassem os seus benefícios”, relata um jornal da época. Além de professor ocupou também o cargo de presidente da junta escolar. Mais do que simples relatórios explicava em acta as razões de todas as suas decisões. Continuou a dar aulas e a cumprir horários rígidos, mesmo depois de reformado, sem auferir qualquer rendimento.O dia em que o comércio fechou portasO dia do funeral de Mestre Cid, a 10 de Março de1929, foi noticiado pelo Diário de Notícias que se referia ao professor do Cartaxo como “grande paladino da instrução”. O corpo do professor de 71 anos saiu do salão nobre dos Paços do Concelho e “constituiu a maior manifestação de pesar de que há memória no Cartaxo incorporando-se nele milhares de pessoas de todas as classes sociais”. Centenas de crianças correram a levar-lhe flores e a incorporar-se no seu funeral, tal como a classe do professorado do concelho e Santarém e individualidades da região.“O comércio fechou as suas portas, as janelas trajaram de luto e as próprias lâmpadas eléctricas apareceram envoltas em crepes”, relata o jornal sobre um homem cuja vida “foi um raro exemplo de bondade, carinho e virtudes cívicas”.“O Século” também deu eco do acontecimento. “Morreu o mestre Cid! Foi a frase triste que no sábado pela manhã percorreu o Cartaxo em todas as direcções, entrando veloz em todas as casas. E não houve ninguém que ao pronunciá-la não chorasse, lamentando a perda de tão prestimoso quão respeitável cidadão”.
O professor que durante 40 anos lutou contra o analfabetismo no Cartaxo

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