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O aficionado que alimenta a paixão pela festa brava através da arte

O aficionado que alimenta a paixão pela festa brava através da arte

Constantino Agostinho considera-se um artista plástico autodidacta

Constantino Agostinho é um amante da tauromaquia que transporta para a arte a alma da festa brava. O atelier onde dá asas à inspiração é uma casa herdada que recuperou, na Travessa do Alecrim, em Vila Franca de Xira, frente à Casa-Museu Mário Coelho.

É no seu atelier, uma casa antiga, herdada de uma tia, que Constantino Agostinho se encarregou de recuperar, na travessa do Alecrim, frente à Casa-Museu Mário Coelho, em Vila Franca de Xira, que o artista plástico passa maior parte do seu tempo. Lá estão expostas muitas das suas obras de arte em pintura, desenho, cerâmica e vidro. Não consegue eleger uma arte como preferida embora confesse que a cerâmica lhe dá mais gozo.Começou a pintar e a desenhar. Foi mais tarde que descobriu a cerâmica através das aulas na Casa da Cultura, em Alverca do Ribatejo. O vidro surgiu depois, quando travou conhecimento com vidreiros da Marinha Grande. Apesar da cerâmica lhe dar mais prazer o facto de ser necessário um forno, que Constantino não dispunha, fez com que não praticasse tanto quanto gostaria. O artista revela as diferenças entre a cerâmica e o vidro. “O trabalho com vidro demora entre duas a três horas e não admite erros. Na cerâmica o barro pode ser moldado da forma que queremos e podemos corrigir se falharmos. Tem o inconveniente de ter que ir ao forno e isso prolonga o trabalho”, explica. O seu dia é sempre uma incógnita e é assim que o artista gosta. Só quando chega ao atelier, logo pela manhã, é que decide o que vai trabalhar. Depende da inspiração. Quando ela falta sai e vai dar uma volta pelas ruas da cidade ribeirinha. É desta forma que, muitas vezes, reencontra a inspiração e volta para o atelier para trabalhar. Umas vezes com silêncio, outras vezes com música ambiente. Por vezes, perde a noção das horas e produz pela madrugada dentro. Quando isso acontece acaba por pernoitar no atelier. A família já se habituou às suas rotinas.Assim que entramos no atelier percebemos a sua aficcion por tauromaquia. Na sala de entrada estão diversos quadros pintados por Constantino Agostinho que decoram as paredes. Do lado oposto encontram-se figuras, a maioria ligadas à tauromaquia. A um canto o busto de Mário Soares, em cerâmica.O artista também gosta de trabalhar com um tipo de material tradicional da festa brava e pouco utilizado. Cornos de toiro. É com eles que faz saleiros para colocar nas cozinhas e, mais recentemente, começou a produzir brincos com o material taurino. “Um amigo desafiou-me a fazer brincos com cornos dos toiros. De início tive dúvidas porque é um material grosso, mas resolvi arriscar e a verdade é que funciona muito bem e tem tido muita saída”, conta a O MIRANTE.Ao lado dos brincos estão expostos peças em vidro com que trabalha na sala ao lado. Com o diamante – a ferramenta com que desenha no vidro – esculpe os seus desenhos. Com um preciosismo raro. São verdadeiras obras de arte. Adepto da reciclagem aproveita as caixas onde vêm os telemóveis para guardar os balões de vidro. Às vezes servem simplesmente de gaveta.Constantino Agostinho confessa não ter tido mestres nem ídolos, considerando-se um auto-didacta que aprendeu tudo o que sabe à custa da sua enorme força de vontade, pesquisando e vendo obras de arte de outros autores. O artista começou o seu percurso na adolescência. Não tinha mais de 14 anos quando começou a pintar. Em criança já revelava uma “grande queda” para o desenho. Construía as peças do presépio e pintava com guaches. O facto do pai ter sido marceneiro influenciou a descoberta das artes.Aos 60 anos continua a trabalhar por prazer embora o aumento das encomendas controle mais o seu tempo e lhe condicione a inspiração. Nada que o artista não aguente. Gosta do que faz e não se imagina a ter outra vida que não seja ligada às artes. É isto que o faz sentir-se vivo.Um antigo forcado com saudades da arenaConstantino Agostinho considera-se vilafranquense de alma e coração e totalmente aficionado pelo mundo dos toiros. Ou não tivesse nascido na Rua Direita, a rua mais típica de Vila Franca de Xira, como costuma dizer.Não é por isso de estranhar que tenha feito parte do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira. Entrou para o grupo aos 19 anos e por lá ficou durante cerca de onze anos. Ainda hoje sente as mazelas de ter ido à cara do toiro várias vezes. Fracturou o externo e várias costelas mas isso nunca o fez desistir.No seu atelier não faltam fotografias de corridas, pegas e cartazes de corridas de toiros em que participou. No corredor está exposta a farda que usou durante mais de um década. Os calções rotos e uma mala velha carcomida pelo tempo onde levava a muda de roupa.O artista confessa que nunca há-de conseguir descrever o que se sente quando se está cara a cara com o toiro. Estudam-no durante a lide a cavalo e é nessa altura que decidem como agir perante o animal. “Quando estamos no centro da arena com o toiro à nossa frente temos que fazer uma leitura muito rápida das suas reacções para concretizar a pega da melhor forma possível. Naquele momento o forcado da cara está sozinho com o toiro, mas sabe que tem um grupo nas suas costas que dá tudo por nós. É um sentimento de união inexplicável”, revela.Foi por tudo isto que quando teve que abandonar o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca esteve sem entrar numa praça de toiros durante um ano. Ainda hoje lhe custa ver uma pega e não poder ajudar. “Quando vejo que as pegas estão a correr mal ao grupo de Vila Franca dá-me uma vontade enorme de saltar para a arena”, conta.Artista de Vila Franca de Xira em terras do BrasilConstantino Agostinho é um homem ligado à cultura em Vila Franca de Xira. É director artístico do Grupo de Artistas e Amigos da Arte (GART) e membro da direcção do Clube Taurino Vilafranquense. Já correu Portugal e diversos países da Europa e do mundo em exposições e representações nacionais. Já ganhou quatro prémios a nível nacional, um dos quais com peças feitas com cornos de toiro. O último prémio que ganhou foi em 2005. Alcançou o segundo lugar na exposição de Vila do Conde.Em 2000, aquando das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, foi convidado a representar o Ribatejo no Rio de Janeiro (Brasil) onde permaneceu cerca de um mês com a comitiva lusa. “Foi um orgulho enorme ter sido convidado para representar o meu país no evento daquela dimensão”, refere.Apaixonado pela cultura o artista lamenta o desinteresse das pessoas pelas iniciativas culturais. Mas aponta o dedo às autarquias. “As pessoas foram perdendo o interesse porque existem poucas ofertas culturais e, acima de tudo, acabou a divulgação. As pessoas não saem de casa se não sabem o que se passa na sua terra. Além disso faltam apoios e incentivos para o desenvolvimento da cultura em Portugal”.Constantino Agostinho defende que os quadros e os desenhos contam sempre uma história. E considera salutar que nem todas as pessoas entendam a mensagem que o artista tenta passar ou que, de alguma forma, existam opiniões diferentes. “Isso vai provocar um diálogo sobre as opiniões de cada um e não existe nada mais saudável do que discutir-se em torno de obras plásticas”, afirma.O antigo técnico da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira não prescinde de visitar espaços de arte com relativa frequência. Sobretudo quando viaja. Gosta de conhecer tudo. Entra em todos os locais. Desde a mais pequena capela até à catedral mais imponente. É isso que o faz sentir vivo. Há uns anos viveu esporadicamente em Madrid e recorda que nessa altura passou uma semana a visitar o Museu do Prado.
O aficionado que alimenta a paixão pela festa brava através da arte

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