uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
A senhora comandante

A senhora comandante

Sofia Gordinho, 29 anos, chefia desde Outubro a esquadra da Polícia de Segurança Pública no Cartaxo

Tem 29 anos e está desde Outubro à frente da esquadra da PSP do Cartaxo. Sofia Gordinho, a subcomissária que cresceu em Alverca, está à frente da polícia de uma cidade de brandos costumes. É adepta das tradições ribatejanas e da festa brava, mas não brinca com a segurança na terra que quer ser Capital do Vinho. Se beber “vá de táxi, a pé ou alugue um quarto”, sugere a senhora comandante.

Ser polícia era um sonho de criança?Quando era mais pequena, tal como muitas crianças, tinha muitas ideias de muita coisa que queria ser. Ser polícia era mais uma... À medida que os anos foram avançando a hipótese tornou-se mais consistente. O meu avô paterno pertenceu à guarda fiscal, o que também terá tido alguma influência. Ser polícia cativava-me pela ideia de poder aliar a componente física à intelectual. Dar-me-ia a possibilidade de ter um trabalho abrangente. A polícia é um mundo. Um dia nunca é igual ao outro. Que recordações tem do trabalho do seu avô?Os tempos eram outros, mas os problemas não eram assim tão diferentes. Vivia-se muito mal e havia muito contrabando. Lembro-me de algumas histórias que contava sobre o negócio do tabaco, por exemplo. Quando decidiu que queria seguir a carreira?Quando me candidatei à PSP já tinha feito um ano de universidade em Sociologia no ISCTE. Nesse ano deixei passar o prazo de inscrição para a polícia... Depois candidatei-me e fui seleccionada. Entrei para o Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna. Eram perto de mil candidatos e entraram doze: dez homens e duas mulheres. Concorda com a diferenciação nas provas físicas?É um dado adquirido que homens e mulheres são diferentes em termos físicos. Mesmo em termos de alta competição há necessidade dessa diferenciação. E quando uma mulher polícia se depara na rua com uma situação que envolve um homem? Nesse jogo de forças há um desequilíbrio. Pode ser verdade que à partida as mulheres têm menos força que os homens, mas também é verdade que podem ter mais técnica. Por outro lado, também será mais difícil um homem partir para a violência perante uma mulher. Mas se for preciso usar da força física a mulher também é capaz. Temos cursos de técnicas de intervenção policial e os utensílios que os homens também têm, como o gás pimenta e o bastão. É preciso usar a cabeça para evitar o confronto físico, que não é desejável. Não é pelo homem ter mais força que consegue ganhar todas as batalhas. Já teve algum confronto?Em que tivesse que fazer uso da força não. Já assisti a situações em que as pessoas estavam um pouco desorientadas, mas lá está, não sei se fruto de ser mulher, o que é certo é que a pessoa acalmou. Às vezes basta falarmos com a pessoa e sermos nós próprios indutores de calma. Outras vezes o palavreado não chega. Mas nunca tive necessidade de manietar uma pessoa. Às vezes é preciso dar dois ou três passos atrás para ver se as pessoas se acalmam. A questão de género nunca a preo-cupou?Se quer que lhe diga não ligo nenhuma a isso. Para mim as pessoas têm funções e as funções são as mesmas quer seja homem ou mulher. O resultado final tem que ser alcançado. E quando uma mulher assume o comando de uma esquadra? Admito que há alguns anos as mulheres poderiam sentir eventualmente mais dificuldade em se assumir. Julgo que, se isso se verifica, não é certamente tão gritante como no passado… O que pode acontecer é que em termos familiares as mulheres têm que ser mais organizadas. As mulheres em casa terão mais tarefas a desenvolver que os homens, mas julgo que isso também está a mudar. O que é que uma mulher comandante pode trazer de diferente a uma esquadra e, por conseguinte, a uma comunidade?Eventualmente uma mulher terá outro tipo de sensibilidade, mas digo eventualmente porque não é taxativo. Cada pessoa tem a sua maneira de estar. Os seus pontos fracos e fortes. Isso independentemente de ser homem ou mulher. O que é fundamental para liderar?Falar com as pessoas. Saber ouvi-las e saber quais são os seus anseios. Quando há uma tomada de decisão gosto de receber participações. Decidindo está decidido, mas se as pessoas sentirem que são parte do processo de decisão acatam com mais facilidade.Amante do desporto e da festa bravaUm aperto de mão firme. Uma voz grossa. Um sorriso afável no trato com o cidadão que encontra na rua. É assim a senhora comandante da esquadra da PSP do Cartaxo, a subcomissária Sofia Gordinho, que desde Outubro comanda os destinos da polícia cartaxense composta por 29 homens e duas mulheres.Tem 29 anos e é licenciada em Ciências Policiais. Esteve à frente de uma esquadra de trânsito no Algarve. Em 2006 foi colocada na Direcção Nacional da PSP, no Departamento de Formação, assumindo como principais tarefas a coordenação a nível nacional do Plano de Formação de Tiro e do Curso de Formação de Formadores de Trânsito. Actualmente acumula o comando da esquadra do Cartaxo com o de chefe do núcleo de deontologia e disciplina do comando de Santarém. É formadora de técnicas de intervenção policial.O comandante não tem horário, diz Sofia Gordinho. Por norma durante o dia está na esquadra. “Se houver operações à noite, que há sempre, opto por fazer um acompanhamento”, explica. O chefe Lourenço substitui por vezes Sofia Gordinho. Quando ocupou o gabinete do comandante de posto teve a preocupação de organizar o espaço. Tirou as fotografias da vista aérea da cidade e mandou colocar molduras. Estão penduradas por cima de um placard que reorganizou com a identificação dos elementos da esquadra. A questão das diferenças de género está ultrapassada para a comandante da PSP que faz uma pausa para pensar se já terá sido alvo de discriminação. É uma amante do desporto e da festa brava. Fruto das viagens a Vila Franca de Xira onde moraram os avós maternos. Vive no ambiente calmo e rural de Marinhais, no concelho de Salvaterra de Magos, a contrastar com a cidade de Alverca onde residiu e estudou durante a juventude. A segurança não deixa de estar salvaguardada por termos menos efectivosA esquadra do Cartaxo tem grandes constrangimentos em termos de espaço. Sim. Uma coisa boa é o facto de estar no centro da cidade. Menos boa é a questão do espaço, efectivamente. Acaba por ser uma esquadra compactada. Funciona bem, os polícias não se sentem aqui mal, mas em termos de parque de viaturas não temos grande capacidade. Há viaturas estacionadas frente à esquadra. E temos necessidade de guardar o material que fica apreendido à ordem do tribunal numa arrecadação. Para chegar a um objecto temos que tirar três ou quatro coisas.A exiguidade do espaço limita o trabalho?Trabalhamos da mesma forma, mas seria bom se tivéssemos outras condições. Conheço muitas esquadras que em termos físicos estão mais degradadas. Este é um espaço cedido pela câmara que apesar de ser exíguo é limpo. Prevê-se para breve a construção de uma nova esquadra junto à circular urbana e vemos isso com agrado. O director nacional já reconheceu a falta de meios. De que sente mais falta?Seria sempre bom ter muitos polícias, muitos carros e muitos computadores. Acontece que não vivemos numa sociedade perfeita. E isso é tão verdade para a sociedade como é verdade para a polícia. Ficaria contente se tivesse uma renovação da frota… O que faria com mais elementos? Com mais pessoas poderíamos fazer mais acções preventivas, repressivas e de sensibilização. Se me perguntar se este efectivo é suficiente para salvaguardar a segurança da população do Cartaxo, digo-lhe que é. Não é por termos menos efectivos que a segurança deixa de ser salvaguardada. Os elementos são voluntariosos. Não são muitos, mas são bons. Em termos de segurança nada é perfeito, mas no Cartaxo o grau de segurança é razoável.No Cartaxo ainda se vai sentindo alguma pacatez?Quando essa pacatez deixa de sentir-se é normalmente fruto da proximidade de Lisboa ou Santarém. As auto-estradas trazem o que é de bom e o que é de mau. O nível de criminalidade não é muito acentuado….O que acontece com uma relativa frequência são pessoas que praticam furtos no interior de residências e no interior de veículos. As pessoas, por vezes fruto dessa pacatez, saem de casa e deixam a porta só no trinco. E com relativa facilidade se assalta uma casa que não está trancada. O Cartaxo tem mais novos habitantes. Isso dificulta a acção da PSP?O pessoal da esquadra conhece as pessoas. Quando há uma situação sabem de quem se trata. Conhecem as pessoas e falam com elas. São pessoas que acabam por estar inseridas no meio. Em Lisboa isto é impensável.E isso facilita?Facilita, mas demasiada proximidade pode dar origem a situações complicadas para o próprio elemento policial. As pessoas não percebem que aquela pessoa além de amigo é polícia e como polícia tem determinadas obrigações. O que definiria como prioritário se tivesse acesso a mais meios? Por norma, quando agarro em determinada área começo por fazer acções de sensibilização no sentido de elucidar as pessoas. Depois faço as tais acções repressivas que acabam por estar legitimadas. Já cheguei à conclusão de que se não houver repressão a maior parte das pessoas não cumpre. A natureza humana é um bocado assim. Se somos punidos evitamos o comportamento. Refere-se a quê?Actualmente todos os fins-de-semana fazemos uma ronda aos bares da cidade. Quando chega determinada hora passamos pelos estabelecimentos para ver se estão ou não fechados. No primeiro fim-de-semana não autuámos ninguém, falámos com as pessoas. A situação das escolas também é complicada. Há muito o hábito de ir quase levar a criança dentro da sala de aula. Isso causa grandes transtornos em termos de fluidez de trânsito. Os bares são uma questão mais complicada?Ainda bem que o Cartaxo tem bares. Ainda bem que o Cartaxo tem movimento. Não somos contra isso. O que acontece é que também há pessoas que querem descansar depois de um dia de trabalho. Tem que conseguir-se um meio-termo. Isso também não é um problema do Cartaxo. O ideal seria haver sítios específicos para diversão nocturna onde não fossem edificadas casas de habitação. Aí já não teríamos esse problema. E consegue manter o equilíbrio?Tentamos. Mas mesmo que os bares respeitem o período de encerramento há sempre um período em que as pessoas estão a sair dos bares e, ou porque falam alto ou porque ligam o carro à mesma altura, acabam por perturbar. O Cartaxo quer assumir-se como a Capital do Vinho, mas coloca-se aqui a questão dos excessos. E a segurança tem que estar em primeiro lugar.As pessoas têm que ser conscientes. Têm que convencer-se que a partir de determinado nível de álcool no sangue, por muito convencidas que estejam de que estão sóbrias, não têm as mesmas capacidades. As reacções são mais lentas. Nada impede que as pessoas se divirtam. Têm é que arranjar alternativas para não colocar a vida em riscoO que é certo é que alguns recusam dar a chave…Vão de táxi, vão a pé ou aluguem um quarto. Sejam imaginativos… Seria importante que não colocassem a vida em risco. A própria e a de outros.“Vou a Alverca com frequência e não sinto insegurança”Nasceu em Vila Franca de Xira, mas cresceu em Alverca. Nasci no Hospital Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira. Os meus avós maternos moraram muitos anos na cidade e ia lá com muita frequência…O ambiente de pacatez da cidade onde está a esquadra que comanda contrasta com o ambiente suburbano do concelho onde viveu. Deu-lhe algum traquejo?Há certos cuidados que uma pessoa que vive numa grande cidade acaba por adquirir por necessidade. Há muita gente que vai ao café e não tranca o carro, por exemplo. No Cartaxo, se algumas pessoas já tivessem visto a casa assaltada, provavelmente começariam a ter determinado tipo de cuidados.Estudou em Alverca. Sentia alguma insegurança na época?Não. Sinto Alverca com mais movimentação do que tinha quando lá cresci. Também havia droga, mas não era propriamente uma cidade insegura, como ainda hoje não é. Vou a Alverca com frequência e não sinto insegurança. Acha que cresceu num ambiente saudável?Sim, perfeitamente saudável, apesar de ser urbano. Também tenho a felicidade de ter parte da família oriunda de uma aldeia de Castelo Branco que é mais rural. Acabei por ter o lado rural e o lado urbano. Tínhamos contacto com algumas coisas boas e outras menos boas, mas também é bom que as pessoas saibam o que existe no mundo. Depois é uma questão de informação e escolhas. As pessoas são livres de escolher este ou aquele caminho.Utilizava transportes públicos?Morava relativamente perto da escola e ia a pé. Nunca tive qualquer problema.Teve contacto com a tradição tauromáquica?Chateava muitas vezes o juízo ao meu avô para irmos à festa do Colete Encarnado a Vila Franca de Xira. Todos os anos. De há uns anos para cá é que não vou tão assiduamente…O que mais a fascinava?Nunca andei a fugir à frente dos toiros (risos), mas gostava do ambiente. Tudo o que envolve a festa é agradável.
A senhora comandante

Mais Notícias

    A carregar...