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Ganhar a vida a lidar com a morte dos conhecidos

Ganhar a vida a lidar com a morte dos conhecidos

Carlos Pimentel e Lucinda Marques trabalham para confortar famílias nos dias tristes

Acompanham as famílias no mais triste dos dias. Ao local onde se velam ente queridos levam um café para tornar mais suportável o momento. Para Carlos Pimentel e Lucinda Marques a agência funerária, mais do que um negócio, é um modo de vida.

O coração deixou de bater. E pelas quatro da manhã o telefone tocou na casa da família Marques & Pimentel, em Foros de Salvaterra. É a eles que o povo recorre quando parte mais um ancião da terra ou quando um acidente ceifa repentinamente uma vida. A família ouve em silêncio quem os procura na madrugada mais dolorosa. Ao amanhecer parte ao encontro da dor. Carlos Pimentel e Lucinda Marques sabem do que falam. Estão no negócio há 25 anos e há 11 o infortúnio também lhes bateu à porta. “A madrasta da vida”, desabafa Lucinda e as lágrimas caem-lhe no colo. O filho Bruno partiu cedo demais, aos 18 anos, com um aneurisma. Também por isso fazem questão de oferecer a quem os procura o conforto possível nas horas tristes. Aos espaços gélidos onde se velam entes queridos pela madrugada Carlos e Lucinda levam aquecedores. Em tempo quente providenciam ventoinhas. Há sempre uma máquina de café e água para tornar menos insuportável o momento. O serviço é gratuito.“Quando eu já não estiver cá deixem-me partir. Não chorem quando se lembrarem de mim, dêem graças a Deus pelos bons tempos que passámos juntos, deixem que as recordações aliviem a vossa dor. Quando chegar a vossa altura de partir, estarei lá para vos receber, ausente no corpo, mas presente em Deus”, lê-se num cartão de visita com a foto de Irene D’Assunção, que partiu aos 83 anos. A funerária gosta de deixar uma mensagem que ajude a família a lidar com a dor.Mais do que um negócio é o modo de vida do casal. Vivem para servir o povo, como gostam de chamar à gente da terra. Sejam famílias pobres ou ricas. Não fazem distinções de religiões. Respeitam o ser humano e a dor. O pagamento não é problema. Vinte e cinco anos de trabalho permitiram-lhes aforro suficiente para facilitar o pagamento de funerais a prestações. “Não abandonamos um defunto”, garante Lucinda, a matriarca. Começaram com uma velho carro. Hoje têm dois veículos novos.“Graças a Deus raramente é necessária uma urna de tamanho pequeno”, confessa o agente funerário Carlos Caneira, 34 anos, que é quase um elemento da família. É o responsável pelo site da internet (http://www.marquespimentel.pt/) onde a letras garrafais se lê que a empresa não lucra com a morte de uma criança. O dia mais doloroso foi o do funeral de um bebé de quatro dias. “Cheguei à funerária e não conseguia parar de chorar…”. É ele o autor da mensagem do cartão de visita que já não tem o símbolo pesado do crucifixo negro. O símbolo da empresa é o de uma coroa imperial a pousar levemente numa bíblia. Carlos Pimentel, o patriarca, às vezes acompanha o cortejo fúnebre de lágrimas sobre o rosto. Há amigos que partem, gente da terra que segue até à última morada guiada pela agência. Chora-se o homem mais simples, o industrial mais reputado. Há gente comum que leva multidões na despedida. Veste-se o último fato quando é preciso. As maiores exéquias também se organizam. Como aconteceu no funeral do bombeiro de Samora Correia. O ambiente frio do salão ficou mais aconchegado com a alcatifa estendida sobre o chão afagado, os pousos para receber a urna e a água benta. Carlos e Lucinda arrancaram cedo no negócio. Aos 26 e 23 anos. Quando ser agente funerário era difícil. O marido já fazia fretes para uma empresa do ramo. A mulher era costureira. A população aceitou-os. Primaram pela educação e respeito. Pela honestidade. “Há os que aceitam e os que se revoltam”, resumem. Deixar a actividade, mesmo depois da dor os ter assolado, está fora de questão. “A quem deixaríamos entregue o nosso povo?”. O pensamento sobre o lugar derradeiro – o grande enigma - apodera-se com frequência de Lucinda. “Se não há vida para além da morte, não há, acabou. Mas se houver? Será que depois de ter partido não terei pena de não ter partido mais cedo?”.Campa rasa ou a jóia da memóriaHá quem prefira a campa rasa. Outros deixam em vida o desejo de serem cremados. Quando é assim o corpo segue para Lisboa ou para o Alentejo. Os restos mortais depositam-se num pote. Mas a maioria dos funerais continua a ser feito à moda antiga, em caixões, debaixo da terra. A família é quem decide. Poucos integram jazigos, uma solução frequente no passado no seio de famílias mais abastadas.A Jóia da Memória - um diamante cuja gema é criada a partir do carbono do cabelo humano – raramente é procurada. Mas a família que gere a empresa Marques & Pimentel está preparada para dar resposta a tudo.
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