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Trocou carreira na Marinha para se tornar especialista em ossos humanos

Trocou carreira na Marinha para se tornar especialista em ossos humanos

António Matias é osteoarqueólogo ao serviço da Câmara Municipal de Santarém
Tem apenas 33 anos e há uma década que trabalha ao serviço da Câmara de Santarém. António Matias integra a equipa de arqueologia da autarquia composta por dois técnicos de arqueologia, um desenhador e três operários. Há 10 anos, António Matias trocou um lugar como oficial da Marinha pelo estágio na autarquia escalabitana. Natural da Figueira da Foz, onde tem casa, mulher e filho, passa a semana em Santarém. Foi na faculdade que cresceu o entusiasmo e fantasias ligados às aventuras de Indiana Jones e às suas descobertas. Licenciou-se em Arqueologia na Universidade de Coimbra, esteve ano e meio em França num mestrado em antropologia biológica. Actualmente, está prestes a concluir a tese de mestrado em Evolução Humana recuperando a descoberta da maior necrópole islâmica do país no Largo Cândido dos Reis, em Santarém. A cidade, reconhece, é um “el dorado” para investigadores de arqueologia. Enquanto uma colega fiscaliza os trabalhos no jardim das Portas do Sol, António Matias está neste momento encarregue da fiscalização dos trabalhos arqueológicos das obras do Jardim da República e do futuro Jardim da Liberdade. Desenvolve mais um trabalho de orientação e direcção do que de campo. Como diz, faz mais uma arqueologia de urgência, decorrente dos achados que são encontrados no decorrer de obras, do que uma arqueologia de investigação. “Tentamos identificar, avaliar e preservar as descobertas e prejudicar o menos possível o decurso das obras”, acrescenta.O trabalho de campo começa bem antes. Há que limpar o terreno e dispor de um caderno de campo com a georeferenciação (com recurso a GPS) de toda a área e na qual são marcadas quadrículas da superfície, geralmente com dois metros quadrados cada uma. São também estimados os dados altimétricos (profundidade) para definir as diferentes cotas das escavações.Detectado um esqueleto ou uma peça, há que trazê-los a descoberto. Em terrenos arenosos recorre-se a pincéis para afastar a areia. Em terrenos barrentos o trabalho é mais demorado e meticuloso. Curiosamente, é utilizado muito material odontológico, como reconhece António Matias. “Espátulas de aço de dentistas são perfeitas para tirar volumes de terra de ossadas e até do espaço entre vértebras. As espátulas mais achatadas adequam-se à limpeza de ossos longos e pincéis de vários tipos limpam com pormenor dentro das costelas do esqueleto. Até as tampas com pegas de alguns detergentes servem para recolher sedimentos”, descreve António Matias.O esqueleto é limpo, faz-se o registo topográfico e fotográfico do local e das peças que, mais tarde, são analisadas em computador. O esqueleto é exumado peça a peça, que são ensacadas, identificadas e colocadas em caixotes. Estão armazenadas no edifício do antigo arquivo distrital, onde funciona parte do Departamento de Assuntos Culturais e Sociais da câmara. Os métodos para avaliar as descobertas dependem do dinheiro de que se dispõe. Há os métodos bioquímicos, de laboratório, mais dispendiosos, onde se recorre a amostras de ADN, a informação genética de cada um. “Depois há os métodos baratos em que confiamos na experiência e conhecimentos adquiridos para avaliar a morfologia do esqueleto, a idade, sexo e a época em que viveu determinado indivíduo”, explica António Matias.A arqueologia exige conhecimentos de uma série de áreas científicas conjugadas. Da tipografia à fotografia, passando pela geologia, petrografia (estudo das rochas), matemática, fauna, química, biologia e física.Divulgar os objectivos e os resultados da arqueologiaAntónio Matias considera que há que proporcionar o conhecimento da arqueo-logia à população. “As pessoas devem saber o motivo pelo qual sofreram com o atraso nas obras do Largo Cândido dos Reis, que esteve quase cortado ao trânsito durante três meses. Têm de saber que se deveu à descoberta do maior cemitério islâmico do país, com 639 indivíduos. E que Santarém ganha importância para estudiosos e investigadores, que nos visitam, com essa descoberta”, sustenta António Matias. O trabalho de António Matias espicaça-o a querer ir mais além e saber algumas histórias por contar. Como a de poder um dia analisar o túmulo mumificado de Pedro de Meneses, ex-governador de Ceuta, sepultado na igreja da Graça, “um dos poucos nobres do país que foi mumificado”. Ou saber a razão pela qual no esqueleto de um rapaz de Casével, entre os 20 e 25 anos, já com uns séculos, foi detectada uma corcunda, uma torção do rosto e uma série de patologias.
Trocou carreira na Marinha para se tornar especialista em ossos humanos

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