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Despertou para o mundo aos onze anos no Ribatejo e foi para a Suíça por causa de umas partilhas

Despertou para o mundo aos onze anos no Ribatejo e foi para a Suíça por causa de umas partilhas

História de um emigrante chamado Encarnação que agora é Martin e tem dupla nacionalidade

Tinha uma vida estável e um emprego com um bom salário mas a mãe decidiu fazer partilhas e Manuel tinha que dar tornas às irmãs. Assim começa uma história de emigração.

Nasceu numa aldeia da serra do Sicó. Pousadas Vedras, concelho de Pombal. Foi baptizado como Manuel da Encarnação Santos. Conheceu a mais negra miséria. Perdeu o pai aos sete meses de idade, a mãe ficou diminuída fisicamente com um problema nos braços. Lutou pela vida e venceu. Começou aos 11 anos nos campos do Ribatejo, na apanha do tomate. Nas vindimas. Hoje chama-se Martin Santos, contingências de ter dupla nacionalidade e de na Suí-ça, país que o acolheu, ser impossível pronunciar o ão de Encarnação. Diz que não é rico mas anda de cabeça erguida no mundo.Martin Santos tem dupla nacionalidade. Português porque diz que nunca seria capaz de o deixar de ser. Suíço porque trabalha para o Estado, naquele país para onde foi por causa de uma curiosa história de partilhas. A vida dá muitas voltas diz o povo. A de Martin Santos não foi excepção. Em criança, quando regressava a casa depois de mais um perío-do de trabalho nos campos do Ribatejo estranhava que os outros exclamassem “Como é linda a nossa terra”. Lindo, lindo era o Ribatejo, onde ele tinha visto uma televisão pela primeira vez, onde tinha ouvido um rádio, coisa que nem sabia existir. Onde vira estradas alcatroadas. Chegado a casa dizia à mãe. “Eu quando crescer vou para o Ribatejo”.A mãe, Maria da Encarnação, ajudou-o a concretizar o sonho. O problema físico não lhe retirava vontade nem força. “Um dia umas vizinhas levaram a minha mãe a Fátima para ela pedir esmola. Foi mas não conseguiu estender a mão à caridade. Chorou o tempo todo. Ela chorava e elas é que pediam esmola. Diziam-lhe que era assim que tinha que ser. Que me tinha a mim e às minhas duas irmãs para criar. Ela nunca pediu esmola e conseguiu criar-nos.” Conseguiu criar os filhos e dar outro rumo à vida. Anos depois a jovem viúva comprou no Cartaxo um pedaço de terra onde fez uma casa. A casa que traçou o destino do filho.“Aos 14 anos vim para o Cartaxo. Deixei os trabalhos do campo e fui trabalhar para uma fábrica de moldes em fibra de vidro. Estudei em Santarém na Escola Industrial e Comercial onde tirei o curso de electricista. Arranjei trabalho na Federação de Municípios do Ribatejo, que é hoje da EDP, no departamento do Cartaxo”. Martin casou cedo com Angelina. Tinha 19 anos e ela 17. Tinha uma situação estável. Um salário razoável. Emigrar era coisa que nunca lhe tinha passado pela cabeça. Nem em sonhos. Até que um dia a mãe, decidiu fazer partilhas. As irmãs de Martin já tinham as suas casas e sugeriram-lhe que ficasse ele com a casa de família. Foi para acertar contas com elas que decidiu ir para a Suíça onde tinha um amigo.Emigrante por causa de umas partilhas, decidiu que assim que juntasse dinheiro suficiente regressaria. Foi com a esposa. Os dois filhos menores, Manuel e Sérgio, ficaram com os sogros. “Vida dura a lavar tachos num hotel de um patrão racista. Regime de escravatura. Estava no Cantão de Berna, na parte alemã. Só a paisagem era lindo. O resto um inferno.” Os contratos eram de oito meses, findos os quais era obrigatório regressar a Portugal. A dívida às irmãs foi paga mas havia que arranjar dinheiro para uma carrinha. Perdido o emprego a ideia era começar a trabalhar de electricista por conta própria. Os anos foram passando. “Pode crer que ainda hoje me vêm as lágrimas aos olhos quando penso nas alturas em que nos despedíamos dos filhos para regressar ao trabalho. Era muito cruel”.Mudanças de emprego. De lavador de tachos para serviço de mesas. Depois para vendedor de produtos de beleza. Mais tarde para uma ourivesaria onde era o homem de confiança dos patrões. Actualmente trabalha na avaliação de imóveis. Ao fim de cinco anos tinha direito a ficar em permanência. Falou com a esposa e decidiram não perder a oportunidade que tanto lhes custara a ganhar, o chamado Permis B. Os filhos foram crescendo. Estudaram, casaram. Agora Martin mora na zona de Lausanne e tem 5 netos. Um dos filhos tem a mesma profissão do pai. O outro toma conta de uma ourivesaria que têm em sociedade. O sonho de trabalhar como electricista por conta própria foi sendo adiado. A mãe faleceu há 4 anos. Nas longas noites de uma qualquer recepção de hotel onde trabalhou, Martin Santos começou a escrever. A registar episódios da sua vida. Não sonha ganhar o Nobel da literatura. Quer apenas contar. Mostrar. Também escreve poemas. Muitos deles são declarações de amor à esposa. Os netos estão a crescer. Falam bem francês mas os pais estão a fazer um esforço para que melhorem o português. Há livros do avô para lerem. Aquele avô que um dia, quando era da idade deles esteve quase para ficar sem uma perna por causa de uma infecção. “A minha mãe não tinha dinheiro para ir comigo ao médico. O farmacêutico disse-lhe para ir comigo imediatamente ao hospital. O mais que me poderiam fazer era não amputar a perna toda mas apenas o pé. Eu gritei de medo. A minha mãe levou-me para casa e tratou-me sozinha. Com ervas. Com remédios caseiros. Com amor e com desespero. Só há pouco tempo descobri o local da infecção. Uma pequena marca no pé”.Livros apresentados no CartaxoMartin Santos lançou os seus dois primeiros livros no passado sábado, dia 18, no auditório da Quinta das Pratas. O autor reuniu cerca de meia centena de amigos e admiradores entre eles Paulo Caldas e Joaquim Emídio.Esplendor no Horizonte é um romance biográfico de Martin Santos e Reflexões Rimadas reúne cerca de 120 poemas. O autor reuniu no auditório da Quinta das Pratas mais de meia centena de amigos. O próximo lançamento será em Pombal, terra de onde Martin Santos é natural. Em Lausanne, na Suíça, para onde voltará nos próximos dias, Martin Santos vai continuar a escrever e a divulgar a sua obra inspirada na escola da vida e que procura ser testemunho da sua forma muito peculiar de ver o mundo.
Despertou para o mundo aos onze anos no Ribatejo e foi para a Suíça por causa de umas partilhas

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