Especial 25 de Abril | 23-04-2009 11:40

O macaco “alferes” que acompanhava os militares na Guerra Colonial

O macaco “alferes” que acompanhava os militares na Guerra Colonial

António Núncio, um dos soldados da Companhia de Cavalaria 2390, recorda o macaco “companheiro de armas” 39 anos depois de regressar da guerra.

António Núncio costuma andar com a fotografia de um macaco fardado de militar no bolso da camisa, apertada contra o coração. Chama-lhe um companheiro de armas do tempo em que andou na Guerra Colonial em Moçambique, entre 1968 e 1970. Na farda o primata ostentava os galões de alferes para irritação dos verdadeiros tropas com esse posto. Na hora de regressar a casa após a comissão, os elementos da Companhia de Cavalaria 2390 quiseram trazê-lo para Portugal. E conseguiram. Os soldados vieram de barco e o macaco teve honras de viajar de avião. Hoje o ex-combatente Núncio, natural de Salvaterra de Magos, mas desde jovem a viver em Santarém, sente saudades da companhia do animal que encontraram no mato e que foi levado para o aquartelamento de Niassa. Passou a acompanhá-los nas operações e era uma ajuda preciosa. Quando sentia que o inimigo estava escondido na mata começava a fazer barulho e deixava as tropas portuguesas alerta. Nunca fugiu. A farda foi feita por um militar da companhia que era sapateiro. Ainda tentaram calçar-lhe umas botas da tropa, mas o macaco sem nome nunca quis usá-las. Na hora do regresso os militares pediram ao comandante da companhia que o macaco “alferes” os acompanhasse. Este teve que fazer um requerimento ao comandante do distrito militar, que anuiu com a condição de o animal não ir de barco. E assim se safou de um momento de aflição. Pouco tempo depois dos tropas embarcarem no navio Vera Cruz este foi atingido por uma grande vaga e quase se afundava. Entre gritos e medo o navio volta para trás e só três dias depois reinicia a viagem. Quando chegaram a Lisboa, já o macaco tinha sido recebido pela família de um dos colegas de António Núncio que morava na capital e foi esperar a companhia ao cais. Quando reconheceu um dos militares com quem passou algum tempo da sua vida correu a abraçá-lo. O gesto comoveu quem estava por perto e, conta o ex-soldado Núncio, “foi uma choradeira completa”. A 39 anos de distância António Núncio diz com orgulho que nunca mais conseguiu despegar-se das fotografias e que “as saudades são muitas”. O ex-militar diz que a companhia do macaco, que até lhes catava os piolhos que apanhavam no mato, foi a melhor coisa que teve na guerra, a seguir à camaradagem com os companheiros de armas. Quando foi para a guerra já era casado e tinha uma filha com 18 meses. Mas isso não o livrou de ser mobilizado. Em Moçambique andou em missões de combate alguns meses, mas depois, por ser pai e ter mulher, deram-lhe a tarefa de pedreiro no aquartelamento. Fez muitas lápides para os que tombavam e às vezes até tinha que ajudar a sepultá-los. Faltavam três meses para acabar a comissão quando quis ir de novo para o mato com os colegas de quem ia ouvindo as histórias dos combates. “Mais valia ter estado quieto. Passei um mau bocado. Arrependi-me logo da decisão”, recorda ao falar dos intensos tiroteios durante os quais só pensava que ia morrer. Hoje com 63 anos gosta de falar na história do macaco a quem visita o seu restaurante nas Ómnias, periferia de Santarém. E tem pena de passado pouco tempo de retomar a sua vida em Portugal após a guerra ter perdido contacto com o macaco “alferes”.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo