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O Estado Novo investiu no Entroncamento para controlar os ferroviários

O Estado Novo investiu no Entroncamento para controlar os ferroviários

Henrique Leal, investigador da história local, explica as “subtilezas” do regime

Nas primeiras décadas do século passado o regime de então criou o conceito de “família ferroviária”, com o objectivo de desincentivar as lutas dos trabalhadores dos caminhos-de-ferro.

O presidente da Junta de Freguesia do Entroncamento, considerado o principal responsável pela sua elevação a concelho em 24 de Novembro de 1945, José Duarte Coelho, usava a “natureza potencialmente subversiva dos ferroviários”, principalmente em anos de eleições, para convencer o Governo a satisfazer algumas das suas reivindicações. A revelação foi feita pelo professor, Henrique Leal, um estudioso da história local, no decorrer de um colóquio em que falou sobre “O Estado Novo e a família ferroviária”.“Numa carta dirigida ao Ministro do Interior, em ano de eleições, José Duarte Coelho, referia um ambiente de descontentamento, fazendo bluff com a tradição reivindicativa dos trabalhadores dos caminhos-de-ferro”, contou o orador, domingo à tarde, no Centro Cultural do Entroncamento.O colóquio “Mais de um século de lutas” foi organizado pelo Bloco de Esquerda e decorreu a seguir à inauguração, pelo deputado Fernando Rosas (BE), de uma exposição intitulada “Os ferroviários. História, lutas, futuro” que pode ser visitada até dia 23 de Maio. Para além de Henrique Leal, participaram como oradores, a jornalista da SIC, Ana Geraldes que falou sobre a imprensa operária e sindicalista do início do século XX e Miguel Pérez, investigador que apresentou a comunicação “Os ferroviários e a Revolução”.Para Henrique Leal o Estado Novo e a CP, sempre trataram o Entroncamento com “algum cuidado”. Entre 1926 e 1940 foram construídos vários bairros sociais que ainda existem como Vila Verde, Camões, Boneco e mais tarde os bairros Salazar e Frederico Ulrich. Aquela era uma forma de controlar e domesticar o espírito reivindicativo dos ferroviários. “Arquitectos com nome como Luís Sequeira e Cottinelli Telmo, foram quem projectou algumas das obras emblemáticas, como o Bairro Camões e respectiva escola e, por exemplo, o chafariz do largo das Vaginhas”. Mas havia outras formas de fazer a integração e disciplinar. A Escola Camões foi a primeira escola do Entroncamento. Funcionava durante o dia para os filhos dos operários e à noite para os próprios ferroviários. O orador, que investigou a Escola de Aprendizes da CP diz que, para além da instrução para o exercício das profissões, “havia um plano de estudos oculto de carácter moral e doutrinário que pode ser considerado uma tentativa de controle ideológico”. O aspecto mais visível do mesmo é o da chamada “frase da semana” que os aprendizes eram obrigados a fixar e sobre a qual eram convidados a meditar.Henrique Leal diz que registou 92 frases e conta algumas curiosidades. “Encontrei frases do género em cadernos de aprendizes, até 1965. O vício anula a inteligência. Um lugar para cada coisa. Cada coisa em seu lugar, etc. São frases muito semelhantes às que também encontrei num estudo sobre uma escola de aprendizes que os nazis criaram em França, na Alsácia, durante a ocupação”. Como nota final, o orador contou a surpresa que teve quando em 2001, numa visita ao Centro de Formação da FERNAVE, no Entroncamento, encontrou no quadro, uma das frases que tinha recolhido do tempo do Estado Novo. “Mede 100 vezes e corta uma só”.
O Estado Novo investiu no Entroncamento para controlar os ferroviários

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